Mas quem é que inventou esse negócio de embargos dos embargos? Que coisa espetacularmente brasileira. Preciso descobrir o nome do autor, que, na certa, é alguém que conhece as profundezas da alma nacional. Mais: é alguém que conhece as profundezas do intestino nacional.
Uma pista: foi algum bidu lá da Constituinte de 1988. As leis que eles escreveram deveriam forjar uma espécie de País das Maravilhas, da Alice, misturado com a Terra do Nunca, do Peter. Só que, somando certas maravilhas com algum nunca, acabou saindo o Brasil do século 21, uma “maravilha” para os que têm dinheiro e poder, porque esses “nunca” serão punidos pelo que fazem de errado.
Embargo dos embargos é poesia e filosofia ao mesmo tempo. Embargar o embargo é o mesmo que dizer "é proibido proibir".
Embargos dos embargos. Que ideia engenhosa. De Gaulle dizia, sobre a França, que é impossível governar um país onde existem mais de 200 tipos diferentes de queijos. Imagina um país onde existem os embargos dos embargos. E tem mais! Você sabia que, se puder pagar, um réu pode entrar com embargos dos embargos dos embargos dos embargos? É como aquela musiquinha do elefante que incomoda muita gente, dois elefantes incomodam muito mais. Duzentos tipos diferentes de queijo, De Gaulle? Quero ver governar um país com 200 tipos diferentes de recursos judiciais.
Embargo dos embargos é poesia e filosofia ao mesmo tempo. Afinal, um embargo é um impedimento. Ou seja: uma proibição. Logo, embargar o embargo é o mesmo que dizer "é proibido proibir", lema da revolta estudantil de 1968, na França, e refrão de uma música antiga do Caetano Veloso. Naquela canção, Caetano repetia, como homenagem aos estudantes que ele admirava então:
"É proibido proibir! Proibido proibir!".
Em homenagem aos políticos que ele admira agora, Caetano poderia regravar seu clássico:
"É embargado embargar! Embargado embargar!".
Nosso letrado presidente Temer usou o termo embargo, dias atrás, quando se arriscou a sair às ruas no episódio do desabamento daquele prédio em São Paulo. Durante uma prudentemente breve entrevista coletiva, o presidente declarou, ao ouvir os gritos de "bandido", que vinham do povo no entorno:
– Sem embargo dessas manifestações, eu tinha de vir aqui prestar minha solidariedade.
E se foi, veloz como aquele assessor dele que corria com uma mala cheia de dinheiro.
O "sem embargo" do Temer é diferente dos embargos que tentam livrar os colegas dele da cadeia. Tem o significado de "apesar de". Apesar das manifestações, Temer achou que devia sair às ruas. Bem, apesar de ele pensar isso, duvido que saia às ruas outra vez. Duvido que qualquer político brasileiro possa sair às ruas tranquilamente hoje em dia.
Lula, que pode ser solto nesta semana graças aos embargos, recursos e apelações sem fim da alegre lei brasileira, se jacta de ser "do povo". Não é. Quando em liberdade, Lula não viajava em avião de carreira por medo "do povo" e, quando, como Temer, foi temerário em sua caravana pelo sul do Brasil, o "povo" tacou-lhe ovo, o que dá até rima.
Com Bolsonaro é igual: ele divulga vídeos de suas consagrações em aeroportos. É um cenário montado. Bolsonaro está cercado de correligionários, exatamente como Lula estava naquela foto em que aparece no centro de uma pequena multidão, em São Bernardo. A popularidade de Bolsonaro, tanto quanto a de Lula, só vigora entre os mesmos.
Não há mais políticos populares no Brasil. A maioria da população desconfia de todos, como desconfia desses truques jurídicos que só foram criados para beneficiar seus criadores.
Sem embargo dos embargos dos embargos e demais bijuterias da lei, o Brasil mudou e essa gente não viverá mais a vida fácil que vivia. A não ser, é claro, que o pai dos embargos dos embargos entre em ação novamente. Dele eu tenho medo. Quem será esse gênio do mal? Diga: quem será?