Quando passei por aquela cirurgia nas costelas, no começo de abril, tive de enfrentar algumas limitações físicas. Durante seis semanas, fui proibido pelos médicos de levantar qualquer coisa que pesasse mais do que um pacote de açúcar. Uma incomodação, os dias se tornaram difíceis. Mas piores eram as noites, porque só podia dormir de costas. Depois de dois meses é que consegui virar-me do lado esquerdo e, agora, passados cinco meses, pude, enfim, deitar-me sobre o flanco operado.
Parece tão pouco. Poder erguer uma cadeira, poder dormir em qualquer posição, poder caminhar pela rua.
Não sentir dor.
São ações comezinhas, nas quais você nem pensa quando as exerce sem restrições. Mas ter a condição de fazê-las, ao mesmo tempo em que o seu espírito está em paz, é a essência da felicidade.
O prazer é complexo, depende de posses, conquistas, sucesso e ocupação de espaço. A felicidade é simples.
Nada menos do que a essência da felicidade.
Foi pensando nisso que, dias atrás, saí de casa e fui à loja de bebidas que tem na esquina. Comprei uma garrafa de champanhe, voltei para casa e chamei a Marcinha:
– Vamos brindar ali na sacada – disse a ela.
Ela veio, sorrindo. Ela sabia qual era a razão do brinde. Chocamos nossas taças, sorrimos e bebemos. Estávamos nos últimos dias de verão no norte do mundo. Olhei para a tarde que se esvaía sobre as copas das árvores de Brookline. Pensei que um dia que termina bem é uma realização. E lembrei de um texto do filósofo Sêneca, um de meus pensadores preferidos. Dois mil anos atrás, ele escreveu o seguinte:
"Li isso em Epicuro hoje: 'Se queres gozar da verdadeira liberdade, escraviza-te à filosofia'. O homem que a ela se submete emancipa-se. O corpo, uma vez curado, frequentemente dói outra vez. Mas o espírito, uma vez curado, sara para sempre. Vou dizer o que entendo como saúde: é quando o corpo está contente e confiante. É quando compreendemos que todas as coisas que perseguimos ou com as quais sonhamos nenhuma relação têm com a felicidade. Darei o meio de medir o teu desenvolvimento: é compreender que, de todos os homens, os mais infelizes são os mais bem-sucedidos".
Sêneca queria dizer que, muitas vezes, confundimos prazer com felicidade. O prazer é complexo, depende de posses, conquistas, sucesso e ocupação de espaço.
A felicidade é simples.
Um dia bem vivido, sem dores físicas importantes, em que você agiu com correção e que termina em paz, eis um dia plenamente feliz. Você pode olhar com alegria para o sol que mergulha devagar no horizonte, você pode fazer um brinde com alguém que ama, você pode sorrir com leveza e dizer para você mesmo: aí vem a noite e está tudo bem. Amanhã será outro dia.