Que tal escrever uma crônica defendendo o homem branco heterossexual? Ninguém defende o homem branco heterossexual!
Foi o que me propôs aquele pai acusado de ter cometido ato de homofobia na festa de formatura da sua filha, quando eu e o Potter o entrevistamos no Timeline da Gaúcha, semana passada.
Ele tem razão. É verdade que ninguém defende o homem branco heterossexual. Até porque não precisa. O homem branco heterossexual nunca foi discriminado, na História.
No entanto, esse sentimento expressado pelo entrevistado impregnou-se em parte da sociedade ocidental. Homens brancos heterossexuais dizem que estão sendo vilipendiados. E alguns partiram para o revide.
Sábado passado, na Virginia, sul dos Estados Unidos, houve uma manifestação dos chamados "supremacistas brancos" contra negros, gays, judeus e refugiados. "Sou nazista, sim. E daí?", arrostavam alguns.
Os caras se definiam como nazistas...
É mais ou menos como cultuar o demônio. Não há nada de bom em ser nazista. Há, apenas, ódio.
Então, como é que um evento desses pode ter acontecido no país mais poderoso do mundo?
É que aquele sentimento, o do homem branco heterossexual acossado, se radicalizou.
Não foi a eleição de Trump que incentivou a manifestação racista. Trump não é causa; é consequência. Assim como Bolsonaro é a consequência do lado de baixo da linha do Equador.
Bolsonaro é um político superficial, que apresenta soluções simplistas para problemas complexos. É um homem grosseiro e mal-educado. Mas, pelas últimas pesquisas, tem 21% das intenções de voto para presidente da República. Com este percentual, passaria para o segundo turno e, dependendo do adversário (se fosse Lula, por exemplo), se elegeria.
Como é possível que o país esteja sob tal ameaça?
Exatamente por causa do sentimento de desamparo do homem branco heterossexual.
A esta altura do texto, necessito de uma pausa para reflexão. Não serei eu aqui um Bolsonaro da prosa, analisando de forma rasteira uma questão sofisticada. Sobretudo porque qualquer opinião a respeito pode ferir suscetibilidades.
Vou começar do Norte para o Sul, que me parece mais fácil.
Por que homens brancos heterossexuais organizaram uma manifestação contra negros, gays e judeus? Trata-se de algo antigo e meio aloprado. Caetano Veloso diria que é cafona. E é mesmo. Ser contra negros, gays e judeus é tão primário, que chega a ser risível. Você não pode levar a sério um camarada que se diz nazista no século 21. Só que eles estão lá, gritando atrás de ridículos escudos pintados com cruzes brancas, dando socos e pontapés e até matando gente.
Por quê?
Suspeito que os judeus entraram meio que por acaso nessa briga. Há, entre os sulistas, certo ressentimento com a Costa Leste e principalmente com Nova York, por seu cosmopolitismo, sua vanguarda, seu liberalismo de costumes e de pensamento, e nenhuma outra cidade do mundo, nem Jerusalém, nem Tel-Aviv, é tão judia quanto Nova York. Então, para a Middle America, conservadora, eleitora de Trump, os judeus progressistas, estilo Woody Allen, ficaram estigmatizados como símbolo do comportamento do morador das bordas dos oceanos, símbolo do intelectual desprezado, símbolo da "fake media", versão americana da mídia golpista brasileira.
Quanto a negros e gays, bem, aí as raízes são mais profundas, principalmente em relação aos negros. Por isso, continuarei amanhã, para logo em seguida chegar ao Brasil, que é o que nos interessa.