Se você somar as fortunas de todos os empresários queridinhos do BNDES, Joesley, Odebrecht, Andrade Gutierrez e o Eike dos bons tempos, se você juntar todo esse dinheiro, não dará um décimo do que tinha Marco Licínio Crasso. É possível que esse personagem tenha sido o homem mais rico de todos os tempos.
É história antiga, mas, acredite, tem a ver com o Brasil. Porque Crasso conseguia tudo o que o dinheiro compra: era servido por milhares de escravos e vivia nas vilas mais ostentosas, foi escolhido como um dos membros do triunvirato que governava Roma e adquiriu o apoio de outro membro, ninguém senão Júlio César, pagando-lhe as dívidas – César era um perdulário.
Como dizia Nelson Rodrigues, Crasso podia comprar até amor verdadeiro, mas isso não o interessava. Ele queria o reconhecimento de seus pares. Queria prestígio.
A questão é que, em Roma, apenas vitórias militares colhiam verdadeiro prestígio. O terceiro integrante do triunvirato, Pompeu, passava o tempo todo lembrando Crasso disso. O pior é que Pompeu era coberto de glórias bélicas, a ponto de o chamarem de Magno, O Grande. E mais: era bonitão. Uma famosa cortesã romana, Flora, dizia ser Pompeu tão lindo, que não conseguia se despedir dele sem lhe dar uma mordida.
O bullying de Pompeu fez Crasso montar e financiar seu exército e sair para enfrentar a revolta dos escravos liderada pelo gladiador Espártaco. No imperdível filme acerca desse episódio, dirigido por Kubrick, Crasso é interpretado por "sir" Laurence Olivier, e Espártaco, por Kirk Douglas. O livro no qual se baseia o filme foi escrito por Howard Fast, um autor comunista desiludido. Na época em que escreveu o livro, porém, ele ainda era membro do Partido Comunista e, como os Estados Unidos passavam pelo macarthismo, nenhuma editora aceitou publicar o romance. O próprio Fast o fez, com seus próprios dólares, e o livro foi um sucesso.
Livro e filme contam que, de repente, Espártaco viu-se no comando de 120 mil homens dispostos à luta pela liberdade. Outros tantos queriam se juntar a eles, mas Espártaco os mandou embora, porque não havia meios de alimentar tamanha multidão. Depois de bater legião sobre legião, Espártaco foi derrotado por Crasso e os escravos acabaram passados a fio de espada. Os 6 mil que fugiram foram capturados e crucificados ao longo da Via Ápia. Seus corpos ficaram apodrecendo por meses, para dar exemplo.
Uma cruel façanha de Crasso. O problema é que, em Roma, liquidar uma revolta não tinha tanto valor quanto novas conquistas. Crasso nem sequer pôde entrar na cidade em triunfo, como sonhava. Foi-lhe permitida apenas uma homenagem menor, chamada "ovação".
Pompeu continuou enchendo o saco. Crasso, incomodado, resolveu que ia se tornar um general vencedor de qualquer maneira. Propôs guerra contra os terríveis partos, que sempre venciam as legiões. Esses partos eram ótimos cavaleiros e arqueiros. Eles investiam sobre os inimigos a galope, atirando suas flechas. Quando os inimigos iam contra-atacar, os partos davam meia-volta em seus cavalos e se punham fora do alcance, sem cessar de disparar setas, mesmo de costas para os alvos. Crasso ordenou que suas legiões se protegessem com seus escudos até que as flechas dos partos acabassem. Só que as flechas não acabavam nunca! O exército de Crasso foi dizimado.
Foi aí que ele se transformou em adjetivo, embora alguns filólogos digam que crasso já significava "grosseiro". Pode ser, mas, depois do Crasso homem, o crasso predicado ficou mais corrosivo. Os romanos não perdoaram o erro crasso de Crasso, e os partos, menos ainda. Ao executá-lo, derramaram ouro derretido em sua boca, caçoando: "Já que você gosta tanto de ouro, vai ficar com a cabeça cheia dele".
A cabeça dourada de Crasso virou troféu dos partos, que a exibiam em festas. E é aí que a história tem a ver com o Brasil de hoje. Porque muitos dos nossos líderes amam o ouro mais do que tudo. Um erro crasso. Vão acabar seus dias com a cabeça cheia dele.