– ME-LA-TO-NI-NA! – repetiu a Ana Paula, escandindo as sílabas, para depois complementar, rápido: – Melatonina!
A Ana Paula é uma amiga brasileira que mora aqui há menos de um ano. Dias atrás, estávamos sorvendo umas Sams Adams no bar, contei que não consigo dormir naquela maldita classe econômica do avião e ela gritou:
– Melatonina!
Melatonina?
Não é um desses remédios tradicionais para dormir, assegurou a Ana Paula, não é uma droga pesada, não, por Tutátis, é natural, e faz com que seu sono seja igualmente natural e profundo e, ao mesmo tempo, suave. Um sono bom, um sono para repousar, daqueles de que você não quer acordar, mas que, quando acorda, se sente regenerado. Um sono que restaura, entende? Restauração é a palavra. Res-tau-ra-ção. Depois deste sono, você acorda, olha-se no espelho e se vê jovem... jovem...
Olhei para a Marcinha:
– Por Belenos! Temos que comprar esse negócio hoje!
Foi o que fizemos. Ao sair do bar, passei na farmácia e adquiri um pote com 120 tabletes de 5mg.
Entenda: não tenho problemas para dormir, nunca tomei algo que possa ser parecido com barbitúricos, nunca senti insônia. Meu drama são os longos voos naquela poltrona minúscula daquela PUTZGRINTRLOGRASTREMBAUER! da classe econômica.
No entanto, o entusiasmo da Ana Paula fez com que sentisse a NECESSIDADE de engolir uma daquelas pílulas, Melatonina, mesmo em terra. Sei perfeitamente quais são os benefícios do bom sono. E os malefícios da ausência de sono também.
Na primeira guerra entre Roma e Cartago, há mais de 22 séculos, um general romano chamado Régulo foi preso pelo inimigo. Os cartagineses captores propuseram-lhe um acordo: ele estava livre para ir a Roma a fim de conversar com os senadores e convencê-los a fazer a paz. Se os senadores aceitassem acabar com a guerra, Régulo podia ficar por Roma e tocar sua vidinha. Se eles recusassem, Régulo teria de voltar para a prisão em Cartago e submeter-se a sua sorte.
Régulo foi a Roma e ao Senado, mas, em vez de defender a paz que lhe salvaria a vida, fez o contrário: informou aos senadores que Cartago estava fragilizada e que, se a guerra prosseguisse por mais algum tempo, Roma sairia vencedora. Os senadores, assim, decidiram continuar em guerra e, de fato, Roma acabaria vencendo.
Depois da sessão do Senado, os amigos de Régulo lhe disseram: não volte, eles vão matá-lo, fique e tome mais um mate. Mas Régulo preferia a morte honrosa à vida pusilânime, cumpriu sua palavra e voltou. Os cartagineses, furiosos, resolveram impingir-lhe um fim lento e doloroso: arrancaram-lhe as pálpebras, e Régulo morreu enlouquecido devido à privação do sono.
Dormir bem, portanto, é vital. A História o prova. Por isso, tomei logo dois daqueles comprimidos e fui dormir pensando nas palavras-chave do discurso da Ana Paula: repousar, restaurar, regenerar... repousar, restaurar, regenerar...
De manhã, quando abri os olhos para ver o dia pela primeira vez, sentia-me... repousado, restaurado, regenerado. Sentia-me jovem, sim, senhor. Jovem!
Dotado de minhas novas energias, saltei fora da cama e segui, cantarolando Forever Young, rumo ao banheiro.
– Para as abluções! – disse para mim mesmo. – Para as abluções!
E lavei o rosto com a água fria e sequei-o com uma toalha felpuda como um angorá e me olhei no espelho e... ali estava aquela ruga de expressão que tenho bem no meio da testa. Sei de onde veio essa ruga: é de um jeito que desenvolvi de erguer a sobrancelha esquerda a fim de encantar as fêmeas da espécie. Uma bossa, entende? E, nas comissuras dos olhos, prosseguiam impávidos os ramalhetes de vincos que cavei por cevar alguma preocupação ou por rir sem resguardo. E o pescoço... ah, também os pescoço tem pistas do tempo. Então, concluí: não fiquei mais jovem. Mas, ora, se há marcas de preocupação dura, há também de riso fácil. Repousar? Restaurar? Regenerar? Tudo bem, mas vou continuar exibindo as medalhas que a vida me pregou na carne. Viva a farmacologia, Ana Paula. E viva, também, cada prova da vida que se vive.