Só existe um motivo para que a Lava-Jato seja um marco na história do Brasil.
Um único.
É o estabelecimento, depois de 514 anos, da noção de que a lei é para todos no país.
O problema é que todos, no Brasil, é muita gente.
Quando a Lava-Jato enfim roçou na plumagem dos tucanos mais bicudos, o ministro Gilmar Mendes, que subiu ao STF por indicação do PSDB, uniu-se a dois colegas de origem petista, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Os três, como os irmãos Heitor, Cícero e Prático, aliaram-se para atacar o Lobo Mau da Lava-Jato. Justamente Gilmar Mendes, que até ontem acusava o PT de ter patrocinado uma "cleptocracia", foi o campeão da libertação de José Dirceu, o Golbery do governo Lula.
Ao mesmo tempo, Lula se movimenta como se estivesse em campanha, mas não para se eleger a coisa alguma, porque ele sabe que não se elegerá. O que Lula quer é, exatamente, colocar-se fora do alcance do braço da lei, que em outros lugares é longo e que no Brasil tem sido menor do que o do dinossauro Horácio.
Lula já compreendeu que, em condições normais, ele será condenado e preso. O conjunto de provas que existe contra ele é formidável. Como explicar que dois de seus filhos enriqueceram sob o patrocínio de empreiteiras? Como explicar que um sobrinho e um irmão recebiam dinheiro de empreiteiras? Como explicar que até o seu assessor pessoal, Paulo Okamoto, recebia dinheiro de empreiteiras? Como explicar que empreiteiras pagaram sua mudança, o depósito de seus bens e suas palestras? Mesmo que alguém acredite que o sítio de Atibaia não era de Lula, e sim do seu amigo, como explicar que empreiteiras pagaram reformas no sítio do amigo? Como explicar que uma cozinha igual à do sítio foi instalada no triplex do Guarujá, um apartamento que não foi posto à venda, mas foi reformado? E como explicar o apartamento de São Bernardo? E o terreno do Instituto Lula? E os depoimentos de Emílio e Marcelo Odebrecht, Léo Pinheiro, Renato Duque e tantos outros?
Lula não explica nada disso, porque não tem explicação. É o suficiente para condenar 10 Collors, aquele homem perplexo, corrido da Presidência por causa de um Fiat Elba.
Os crentes de Lula pedem provas. MAIS? Queriam um recibo: "Eu, Luiz Inácio, declaro que recebi 1 milhão da Odebrecht como pagamento de propina".
É que o crente, óbvio, acredita. E Lula, quando fala aos seus fiéis, não apela para a razão, e sim para a fé. Lula é o Grande Líder, o Profeta, uma mistura de Kim Jong-un com reverendo Jim Jones, capaz de arrastar centenas à autoimolação.
É verdade que, a cada dia, aumenta o número dos decepcionados com Lula. Mas calcule: se os crentes forem 1% dos brasileiros, eles se elevarão a 2 milhões. Gente demais. Fanáticos demais.
Por causa desses fanáticos é que Lula ainda não foi preso, apesar da sua movimentação na frente do palco e atrás dos bastidores para atrapalhar as investigações e obstruir a Justiça. Fosse outro, fosse um Cunha, estaria na cadeia. Mas é claro que a prisão preventiva de Lula, mesmo sendo um acerto jurídico, seria um erro político. A Justiça, portanto, faz essa concessão à política, e o faz bem.
O limite da desmoralização, porém, é tênue. Como diria Lutero: "Aqui estou, de outra maneira não posso". Se, com todo esse extraordinário volume de provas, Lula não for condenado e preso, a Lava-Jato acaba. Não terá mais sentido. De nada adiantarão os bilhões devolvidos, as confissões de culpa, as detenções de poderosos, a revelação de esquemas sofisticados de corrupção. O Brasil continuará como sempre foi: um país onde existem muitas leis, que valem para poucos.