Na noite desta terça-feira, Hillary Clinton será anunciada como primeira mulher eleita presidente dos Estados Unidos. Será ela. Creia, homem de pouca fé.
A notícia boa é que, como no inglês o artigo não flexiona com o gênero, não há chances de ela ser chamada de presidenta. É The President, e pronto.
A notícia ruim é que Trump quase ganhou.
Mas talvez não seja necessariamente ruim, se conseguirmos entender o que significa a quase vitória de um candidato tão bizarro.
Em primeiro lugar, é preciso olhar para as questões internas dos Estados Unidos. Existe um sentimento, entre os americanos, de que era chegada a vez dos republicanos. Isso não é dito nas ruas nem se escreve nos jornais. É algo implícito. Mas real.
Os americanos têm o hábito da alternância de poder. É saudável, porque o presidente novo corrige os desvios de rota do antigo. E o melhor: os defeitos não se transformam em vícios.
Foi o Partido Republicano, portanto, que falhou na apresentação de candidatos. Trump é grotesco; os demais eram péssimos.
Mas por que o grotesco foi escolhido em lugar do péssimo? E por que quase venceu?
Esse é o segundo ponto que é importante entender. O meu amigo Fernando Eichenberg, o Dinho, fez recentemente uma ótima entrevista com o filósofo francês Luc Ferry em que ele, Ferry, analisa a eleição americana. E aponta, como razão do sucesso de Trump, a mesma que apontei, dias atrás. Ferry disse para o Dinho:
– O movimento do politicamente correto foi desastroso, com uma reforma dos códigos de linguagem insensata que atingiu em 40 anos um nível de absurdidade.
É isso.
Esse é um defeito inerente das esquerdas, onde em geral se homizia o movimento do politicamente correto. As esquerdas julgam. E, quase sempre, condenam.
O politicamente correto se desenvolveu nas universidades americanas, embora tenha nascido na Escola de Frankfurt, com Marcuse.
Marcuse veio para os Estados Unidos, naturalizou-se americano e aqui cevou suas ideias e as viu vicejarem. A partir dos Estados Unidos, o politicamente correto agressivo e acusatório espalhou-se pelo mundo.
No Brasil, temos uma versão cabocla desses movimentos, bem mais superficial, porque conseguiu arrastar o país para o pântano de uma Guerra Fria peculiar. No Brasil de hoje, ainda se discute Miami e Cuba. No Brasil de hoje, Ches Guevaras compassivos e tristemente ridículos se multiplicaram pelas redações, pelas universidades, pelas escolas. No Brasil de hoje, são eles versus nós, pobres versus ricos, negros versus brancos.
Era aí que queria chegar. O Brasil de hoje reproduz o que está acontecendo nos Estados Unidos. Há uma reação ao politicamente correto, ao julgamento do próximo, à vigilância moral, à patrulha ideológica. E essa reação criou seres iguais aos que combate, só que do outro lado do espelho. Trump é o avesso de Chávez, o MBL é o avesso do PT, Bolsonaro é o avesso de Jean Wyllys, mas eles todos são iguais, usam os mesmos métodos, cometem os mesmos erros, odeiam, rotulam e apartam.
Trump quase ganhou porque as pessoas não suportam mais ser julgadas, não suportam mais a arrogância dos que se acham defensores do bem e protetores dos pobres. Trump é a derrota do novo moralismo. O problema é que, se ele vence, torna-se também a derrota de muito do que é moral.