O Rio Grande do Sul tem uma situação curiosa e desagradável em alguns de seus pontos turísticos que diz muito sobre um problema crônico, mas que se tornou parte da nossa rotina, como se não houvesse possibilidade de solução.
A excelente reportagem E se o Guaíba fosse limpo? O que falta para os banhistas voltarem à orla de Porto Alegre, publicada em GZH, escancara o tamanho do problema a ser enfrentado para tentar despoluir o Guaíba, a ponto de podermos aproveitar o estuário para nos banhar. Um dos méritos da reportagem é justamente lembrar que ali poderíamos entrar na água, mas há um longo caminho até que isso seja possível.
A nossa geração não viu isso e provavelmente não verá. A revitalização da Orla revelou um novo cenário para os porto-alegrenses, mas uma coisa não mudou: o esgoto continua sendo despejado em grande escala no Guaíba. E a foz do Arroio Dilúvio fica exatamente no meio da nova Orla, manchando o quadro que forma o cartão-postal.
Não é só o aspecto. O cheiro de esgoto é insuportável, e nos acostumamos com o desconforto do odor. Ele faz parte da paisagem.
Porto Alegre tem um exemplo emblemático, mas está longe de ser o único. Na Serra, um dos locais mais fotografados é a Cascata do Caracol, um cenário lindo. Quem desce as escadarias até o pé da cascata, porém, sente o cheiro desagradável de podre. Isso só acontece porque em alguém momento no seu trajeto, as águas que terminam na cascata recebem despejo de esgoto.
No Litoral, as praias não deveriam exalar nada além de ar puro e maresia, mas podem te deixar enjoado pelo odor de esgoto.
Se você ainda tem alguma dúvida da gravidade do problema, passe pela BR-116, no Vale dos Sinos, na entrada de São Leopoldo. Pela porta da cidade passa o leito do Rio dos Sinos, um estuário de esgoto que vem de casas e empresas não conectadas a nenhuma rede.
Por quê? Porque falta tratamento de esgoto em toda parte. O Rio Grande do Sul trata apenas, em média, 17% de todo o esgoto que produz. Ou seja, 83% — milhões de litros — são despejados em mananciais.
Esgoto é água suja de pias, vasos sanitários, tanques de limpeza de empresas, basicamente toda a água que não pode ser aproveitada e que precisa ser tratada. O Marco do Saneamento encaminha uma solução para o problema ao estabelecer meta de disponibilizar coleta e tratamento de esgoto a 90% da população até 2033.
A Corsan estima um investimento R$ 10 bilhões em 12 anos para se atingir aqui a universalização do tratamento de esgoto. Ou seja, talvez em 10 anos tenhamos condições de viver uma realidade nova, ao ter uma rotina sem o onipresente fedor de esgoto pelo Estado.