Há 106 anos, um grupo de desbravadores se lançou numa missão pelo extremo noroeste brasileiro para mapear um rio com mais de 1,6 mil quilômetros de extensão e até então inexplorado. Pelo sertão de Mato Grosso até chegar ao coração da Floresta Amazônica, o grupo com militares, guias indígenas e aventureiros brasileiros e americanos trilhou caminho para uma aventura que, mais tarde, viria a ser reconhecida no mundo todo. Equipados com barracas, canoas feitas de troncos de árvores e comida restrita, depararam com tribos de índios hostis, abriram caminho pela mata selvagem e enfrentam condições extremas de tempo e de terreno.
A saga foi liderada pelo militar brasileiro Cândido Rondon, já naquela época um veterano explorador, e levava junto o ilustre ex-presidente dos Estados Unidos e Nobel da Paz Theodore Roosevelt. Ao final da viagem feita na maior parte a pé, extenuados e castigados pelas adversidades, comiam apenas o que conseguiam caçar. Alguns já não contavam mais com a possibilidade de terminar vivos a missão. O próprio Roosevelt terminou a expedição carregado em uma maca.
A aventura com tom épico é o ponto alto do livro Rondon, uma Biografia, do jornalista Larry Rohter, que conta a trajetória do brasileiro que deu nome a um Estado _ Rondônia _, é o patrono das telecomunicações brasileiras e foi o responsável por levar estradas, pontes e portos a uma vasta região do Brasil.
É curioso que uma história de vida extraordinária de um brasileiro tão importante tenha sido contada com absoluto rigor só agora e por um jornalista americano. Rohter dedicou cinco anos à pesquisa do livro.
Virei a última página pensando em quantas histórias mais de homens e mulheres que de alguma forma ajudaram a construir o país nesses 520 anos de história ficaram esquecidas no tempo. Fico imaginando se esse descuido histórico não teria relação com um certo estigma de parte dos historiadores ao Exército. Se for isso, é um tremendo equívoco.
Positivista e pacifista, Rondon foi o maior protetor dos povos indígenas no século 20 e levava ao pé da letra o lema "Morrer se preciso for, matar jamais".
Em livrarias americanas e europeias (físicas ou virtuais), é muito comum ver estantes abarrotadas de biografias e livros de diferentes períodos da História. Apenas para ficar na mesma área: o explorador britânico capitão sir Richard Francis Burton, cujos feitos não se igualam aos de Rondon, tem duas boas biografias e é personagem conhecido e estudado na Inglaterra.
Umas das minhas suspeitas é de que, no Brasil, os principais centros acadêmicos de História não conversam com o mercado editorial. Ou esse setor também não enxerga nas universidades a fonte ideal para a produção de grande fôlego e com rigor histórico que possa chegar ao público.
O certo é que carecemos de maneira geral de referências históricas com sua trajetória pesquisada e contada para o público de forma massificada. O brasileiro lê pouco? A resposta é sim.
Talvez uma forma de mudar isso seja pelo estímulo à leitura de bons livros baseados em personagens de referência que ficaram esquecidos ao longo do tempo.
Numa escola na periferia de Chicago, em 2008, para a cobertura eleitoral, assisti a uma aula de história política para jovens de 12 e 13 anos. Eles falavam de seus heróis, os founding fathers, os pais da nação americana, com suas qualidades e defeitos, com profunda admiração e conhecimento histórico.
Existem muitos caminhos para mudar essa realidade. Desconfio de que se começarmos por distribuir livros como o de Rondon nas escolas brasileiras, a nossa história, no futuro, pode ser bem diferente.
Em tempo: Theodore Roosevelt morreu cinco anos depois da expedição brasileira. Até o fim da vida, fez questão de elogiar o extraordinário Rondon.