Aficionado por literatura, formado em letras, fluente em inglês e há 33 anos na Brigada Militar – a maior parte do tempo, 20 anos, atuando direto nas ruas – o coronel Rodrigo Mohr Picon assume nesta segunda-feira o comando da corporação com 16,3 mil policiais. Ocupará a vaga deixada pelo coronel Mário Ikeda, que foi para a reserva.
Nos últimos anos, Mohr conduziu o policiamento da BM na Capital e ajudou a implementar políticas de segurança que resultaram em queda dos principais índices de criminalidade. Com o pacote de medidas para a mudar as carreiras de servidores estaduais apresentado nesta quarta-feira (13) pelo governo, um dos desafios é evitar a debandada de policiais que já contam tempo para a aposentadoria. Da época de patrulhamento na rua, o coronel carrega a experiência, a habilidade para atuar na linha de combate ao crime e algumas cicatrizes no rosto.
O senhor assume em meio à queda nos indicadores de criminalidade no RS. O que fazer para reduzir ainda mais os números?
É um desafio grande porque esses índices vêm caindo. Vai chegar um ponto em que nós vamos ter de trabalhar extra para poder manter essa queda. Acredito muito no trabalho de inteligência contra o crime organizado. Em Porto Alegre, conseguimos números fantásticos no combate ao roubo de carros, trabalhando em cima de inteligência, com informação e conhecimento de quem, onde e como se comete crime. Isso é fundamental. Sem saber esses dados, não temos como fazer policiamento eficiente. O que notamos, também, é que quanto mais prisões ocorrem, menos crimes – ao contrário ao que alguns especialistas podem dizer, que encarceramento não resolve. No crime de roubo de veículos, foram quase 600 presos, de março até aqui, em Porto Alegre. Em março, foram 20 e poucos veículos roubados ao dia. Chegamos a outubro com nove veículos roubados ao dia. Ainda não é um número bom, mas já é bem melhor.
Tem relação com as operações que miram os desmanches de veículos também?
Claro, tem a Polícia Civil com o trabalho específico, a operação desmanche, esse trabalho do grupo de inteligência, quase 600 prisões em cima de roubos de veículos e receptações, causou uma queda forte. Isso motivou uma percepção do criminoso de que ele não ia sair impune. No dia do show do Iron Maiden, em Porto Alegre (9 de outubro), achamos um galpão no bairro Humaitá com 14 carros roubados em 2018. Eram usados em aluguel para motoristas por aplicativos. É crime organizado, é uma rede montada para o crime. Quando a gente começa a derrubar isso, passa a não valer mais a pena para eles. A inteligência, o policiamento, a percepção do policial na rua.
Como fazer isso diante do número enxuto de PMs na corporação?
As horas extras e os policiais administrativos são chave para ampliar a percepção para a população e dar mais visibilidade ao nosso trabalho. Por exemplo, ganho uma Hillux nova para a frota da Brigada Militar. Escolho um ponto de grande movimento em Porto Alegre e lá fica um policial administrativo que, naquele dia, está fazendo uma hora extra ou trabalhou de manhã e, à tarde, faz uma hora extra. Operações e pontos e importantes, locais de visibilidade, ações integradas com a prefeitura, com a Guarda Municipal, com a EPTC, com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Polícia Federal, Polícia Civil, Polícia Rodoviária Federal e Ministério Público. Quando a gente atua em conjunto, é muito mais forte a ação. O comando do 9º batalhão tem feito ações semanais para atacar o roubo de celular no entorno do camelódromo.
Quanto aos crimes mais comuns, como roubos nas ruas, como reduzir a ponto de trazer a sensação de segurança?
Essa é uma das metas, temos de atacar o roubo de celular. Meu foco sempre é o ser humano, é a pessoa. Por que atacar tão forte o roubo de veículos? Porque na Região Metropolitana, nos últimos três anos, 38% dos latrocínios foram originados em roubos de veículos. Tanto que nós tivemos seis ou sete latrocínios até agora. O criminoso mata a pessoa por causa do carro. O segundo fator é roubo a pedestre. E o motivo é o celular, não é carteira ou bolsa. E é difícil combater o roubo a pedestre porque pode acontecer em qualquer lugar da cidade. O que estamos fazendo é atacar onde está a fonte, onde se ganha dinheiro com aquele celular. É uma tentativa e estamos conseguindo diminuir todos os roubos em Porto Alegre. Muitos dos homicídios que temos no Estado tem a ver com drogas. Dificilmente uma pessoa que não está envolvida no tráfico ou no uso é vítima de um homicídio. Geralmente, essas pessoas que não estão envolvidas morrem num assalto, por reagir ou, às vezes, até por medo porque o criminoso está fora de si.
Nesta semana, o governo estadual apresentou um projeto que prevê mudanças nas carreiras de servidores. O senhor teme uma debandada de policiais para a aposentadoria?
Temos vários requerimentos protocolados. Mas sinto que o pessoal está esperando um pouco. Uma das primeiras ações é tentar garantir a carreira. O policial é terceiro sargento. Se ele for para a reserva, sai segundo sargento. Se ele souber que vai ter o curso para sargento, espera e avança na carreira. Normalmente, pelo número de vagas, ele vai para primeiro sargento. Há uma chance de progressão na carreira. E esses policiais com mais de 30 anos estão na Brigada Militar porque querem, porque gostam. Estamos mostrando que tem caminho para ficar, modernizando a carreira.
O senhor acha que vai convencer o brigadiano a permanecer?
Não precisa muito porque ele gosta da Brigada. O desafio é fazer uma carreira mais atrativa.
Qual é a sua opinião sobre a força-tarefa nos presídios?Acho que seria melhor contar com esse policiais na Brigada, na rua. Hoje são bens menos policiais na força-tarefa. Fazem um trabalho fabuloso de controle das cadeias. Mas tem de ser algo que não afete a população, que seja muito tranquilo, com calma. Sou a favor, mas isso tem de ser feito de forma muito responsável. O trabalho que eles fazem lá também é essencial para a segurança na rua.
A presença da Brigada Militar nos estádios de futebol já foi alvo de polêmica por retirar agentes das ruas. Qual é a sua posição?
Hoje, usamos muito menos policiais nos estádios. Com os stewards (equipe contratada pelos responsáveis pelos jogos), com tecnologia de segurança nos estádios, ninguém fica impune. Acho que temos de estar presentes. Porque quando se fala em futebol, em Grêmio, Inter, fala-se de todo mundo. Certa vez, pedi levantamento sobre ocorrências nos bairros próximos aos estádios em dias de jogos, já que a alegação era de que faltavam policiais nas redondezas para atender à população. E, para minha surpresa, as ocorrências diminuíam em dias de jogos. Não vou levantar esse debate (sobre presença da BM nos estádios), até porque Inter e Grêmio nos ajudam muito e isso não traz prejuízo à população em geral.
Muitos dos homicídios que temos no Estado tem a ver com drogas. Dificilmente uma pessoa que não está envolvida no tráfico ou no uso é vítima de um homicídio.
RODRIGO MOHR PICON
Comandante-geral da BM
O senhor já sofreu um grave acidente em trabalho. Como foi?
Eu ainda era aspirante a oficial, recém saído da academia de polícia, em 1991. Fazia patrulha em Gravataí, quando fomos chamados para atender a uma ocorrência de um homem que fazia ameaças com uma espingarda. Aceleramos e, no caminho, outro carro cruzou a frente da nossa viatura. Naquele época, ninguém usava cinto. Fui jogado ao para-brisa. Tive cortes no nervo facial e na jugular. Sorte que estávamos perto do hospital. As sequelas foram profundas. Tenho parte dos movimentos da face prejudicada por isso.
O senhor é formado em Letras. Quais seus autores preferidos?
Dos regionais, Erico Verissimo. A trilogia do Tempo e o Vento já li três vezes. Um autor nacional espetacular foi Carlos Heitor Cony. E sou entusiasta do Ernest Hemingway. Meu preferido dele é Por quem os Sinos Dobram.