Desde que o presidente Jair Bolsonaro lançou uma cruzada contra a fiscalização de trânsito, vetando o uso de radares móveis em estradas federais, o órgão máximo que regula o setor, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), vinculado ao Ministério da Infraestrutura, vive um impasse sobre o modelo de autuação de motoristas infratores. Desde agosto, os 6 mil quilômetros de estradas federais do Rio Grande do Sul estão sem cobertura de radares móveis para identificar excesso de velocidade.
Egresso da Polícia Rodoviária Federal, o atual diretor do Denatran, Jerry Adriane Dias Rodrigues, não vê problema na falta de fiscalização, tampouco na proposta de aumentar o número de pontos para suspensão da CNH.
Daniel Scola - Qual é o futuro da fiscalização com controladores nas rodovias federais?
Jerry Adriane - Estamos fazendo uma proposta para adequar a preocupação em relação à fiscalização sem controle para uma fiscalização em que a gente possa conciliar sinalização à coerência na necessidade de combate aos acidentes e não dê aquela impressão de que foi uma pegadinha logo após a curva, depois de uma placa de 80 km/h quando vinha sem sinalização adequada antes. Estamos trabalhando nesse ajuste. Minha ideia é que a gente regularize essa discussão até o final do ano e tenha uma definição.
Como será esse novo modelo em relação aos radares fixos e móveis?
Em relação ao fixo, provavelmente não dê tempo agora porque envolve questões um pouco mais complexas do que o uso do radar móvel. Veja que o uso da lombada, por exemplo, é para a redução da velocidade. Então, tem de discutir se a definição do limite de velocidade ocorreu em razão da instalação do radar ou se a redução do limite de velocidade se deu por uma necessidade de engenharia. Às vezes, a pessoa olha para um lado e para o outro, não vê nada, e se questiona por que o limite é de 60 km/h (no trecho). A gente precisa estabelecer critérios bem objetivos. Por que vamos reduzir a velocidade na via? Para que o cidadão olhe e perceba que está coerente e adequado.
Queremos definir regras claras para que não dê a conotação de pegadinha. Essa é a ideia.
JERRY ADRIANE RODRIGUES
Diretor do Denatran
Nos países que conseguiram reduzir o número de mortes no trânsito, houve um fortalecimento da fiscalização. No Brasil, parece estar ocorrendo uma cruzada do presidente da República contra os radares móveis. Essa situação não passa a ideia de que está tudo liberado nas estradas?
A decisão presidencial, encaminhada ao ministro (Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura), que foi enviada ao Denatran, demanda a organização da sinalização de tal forma que não se dê a conotação de que a fiscalização com radar móvel seja uma pegadinha. Que seja educativo e preventivo. Vou dar um exemplo: você tem um trecho sinalizado a 80 km/h. Há muito tempo não tem manutenção e a sinalização não está dentro do padrão. Você está viajando e não tem placa. A lei pressupõe que você pode andar a 110 km/h, então, vou andar a 110 km/h, mas daqui a pouco tem uma placa de 80 km/h e a fiscalização com o radar. Queremos definir regras claras para que não dê a conotação de pegadinha. Essa é a ideia. Estamos trabalhando tecnicamente para isso.
Como policial rodoviário federal, o senhor já viu pegadinha? O que classifica como pegadinha?
É a visão das pessoas em relação a isso. Um exemplo é esse: a sinalização não está mais adequada e aí tem uma placa de sinalização ali, e a resolução prevê o radar antes ou depois da placa. Isso dá uma impressão de que não se esteja tomando o cuidado devido para que aquela sinalização oriente a consciência do motorista de que o limite de velocidade é aquele. Temos conversado com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e com o Departamento Nacional de Infraestrutura dos Transportes (Dnit) para que não haja essa impressão na sociedade de que não há esse cuidado.
Na proposta que tramita no Congresso, está previsto dobrar para 40 o número de pontos para que o motorista perca a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Isso não passa um recado negativo para o condutor que está propenso a infringir a legislação de trânsito?Queremos dar foco nas condutas de maior risco. Dá para pesquisar em todos os Departamentos Estaduais de Trânsito do país e ver como é difícil instaurar processos administrativos de suspensão do direito de dirigir, e a vantagem que teria em começar trabalhando com um limite que consiga pegar as condutas de maior risco. Agora, a discussão está no Congresso, e ele tem autonomia para decidir. Estamos lá discutindo, vamos levar outros elementos para debate como, por exemplo, aquelas pontuações por conduta que não geram risco, mas que estão no CTB como pontuáveis. Isso é um problema. Vamos fazer um ajuste.
Quando o senhor fala sobre a dificuldade para instaurar processos administrativos, isso é a superlotação dos Detrans?
É o excesso de processos porque é muito fácil levar multa hoje. Existe uma poluição de sinalização, um trânsito muito complexo. O motorista profissional – o motorista de aplicativo, o entregador de mercadoria – dirige 10, 12 horas por dia. Ele está muito mais sujeito a levar autuação mesmo que não haja a intenção de ser infrator. Isso acontece porque a concorrência com todo o ambiente é muito difícil. Como cidadão, você pode conversar com qualquer pessoa para perceber isso.
O senhor considera que se multa demais ou comete-se infrações demais?
Você olha para uma sinalização. Para o agente de trânsito, a sinalização está clara, mas o condutor não consegue enxergar. Vi aqui um exemplo: um semáforo, quando eu parava na faixa de retenção, tinha de ficar virando a cabeça para enxergar, porque a linha de retenção ficava em um ângulo que dificultava a visão. Outro exemplo: o taxista que precisa deixar o passageiro em determinada casa e não tem lugar para parar. Ele fica entre cumprir a regra e entregar o passageiro em lugar que não é o mais adequado ou descumprir. São dificuldades que precisam ser enfrentadas. E a questão de aumentar a pontuação é para equalizar algumas questões que estão no CTB, e que geram, a partir de 20 pontos, a autuação de processos. Como às vezes não há capacidade para tocar o volume de processos, o motorista com 40, 50 pontos, é tratado da mesma forma que o condutor que está com 20.
Quando o Denatran vai liberar o drogômetro para fiscalizar o uso de drogas pelos motoristas?
Estamos trabalhando mais próximos do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) e uma recente lei possibilitou que todo equipamento usado na fiscalização seja homologado pelo Inmetro. Inicialmente, o instituto entendia que não cabia a ele a aprovação desse equipamento. A lei definiu que sim. Acredito que no ano que vem teremos essa regulamentação no forno. O Ministério da Justiça criou um grupo de trabalho para revisar os estudos que foram feitos pela Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas com a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) em relação aos equipamentos, já estamos trabalhando com o Inmetro para ajustar. Vamos fazer parte desse grupo de trabalho e, a partir das constatações, vamos ter condições de fazer uma portaria especificando a eficiência do equipamento – se tem falhas, qual a porcentagem – para que possamos avaliar se poderá ser utilizado como o etilômetro ou se será preciso outra contraprova, como exames de sangue, urina ou saliva em outro momento. Esper que, até a virada do ano, consigamos definir essas questões e, então, partir para a regulamentação e homologação desses equipamentos.