A pressão contra a votação apressada do projeto que propõe mudanças no Código Ambiental do Rio Grande do Sul ganhou força nos últimos dias. Depois do Ministério Público, agora é a vez de o Judiciário cobrar o governo gaúcho por mais tempo para discutir as mudanças do conjunto de regras que regem a conduta ambiental no Estado. O projeto altera 480 pontos do código atual e foi apresentado em regime de urgência no fim do mês passado. Portanto, se o governo insistir com a votação, a matéria passa a trancar a pauta da Assembleia.
Em polêmica e tumultuada audiência pública, a juíza Patrícia Antunes Laydner, da 3ª Vara Cível de Guaíba e coordenadora do Programa de Proteção e Educação Ambiental e Responsabilidade Social (Ecojus) do Tribunal de Justiça do Estado (TJ–RS), alertou para o risco de transformar o código ambiental em uma “colcha de retalhos”.
Confira a entrevista
A senhora defende a retirada do regime de urgência do projeto que cria um novo Código Ambiental. Por quê?
Primeiro porque é um projeto de código que gera alteração em cerca de 480 artigos e não houve debate prévio. Esse projeto passou por subcomissão da Assembleia Legislativa, mas não teve um debate com várias camadas da sociedade. Essa não é posição minha: tem funcionários da Fepam que estão solicitando a retirada do regime de urgência, os próprios deputados estão pedindo, porque 30 dias é pouco tempo para debater um projeto tão complexo. Além da quantidade de artigos, estamos falando de estruturas importantíssimas como o licenciamento e alguns dispositivos que se referem a unidades de conservação, por exemplo. São áreas extremamente técnicas. Então, o debate também tem de ser técnico. E não tem como isso ser feito em um prazo de tempo tão curto.
Quais são os riscos se o código for aprovado agora?
O primeiro risco é uma questão de aceitação da norma, de legitimidade do ponto de vista democrático. Direito ambiental é um dos princípios basilares da participação, da concertação. São princípios que estão em convenções internacionais, das quais o Brasil é signatário. Não é à toa que decisões ambientais normalmente envolvem audiência pública e debate. Mexer em uma legislação dessa natureza sem prévio debate é uma coisa complicada. E a chance de isso vir a ser judicializado e de não ter uma aceitação por parte da população é maior. Além disso, tem o risco de se aprovar uma lei que vai ser incompatível com a legislação nacional. Inclusive, há um projeto para mudar a lei do licenciamento, de criar um novo marco legal do licenciamento nacional, que está sendo objeto de amplo debate e que, depois, essa lei pode vir a conflitar. Então, a gente faz uma lei dizendo que tem pressa e urgência e daqui a pouco vai ter de mexer nela de novo. Nesse meio tempo, como fica? Outro problema é que estão sendo feitas muitas sugestões, todas muito apuradas, com muita pressa porque o prazo está muito curto. Só o Ministério Público fez uma proposta com cerca de 60 páginas de alterações no projeto. Essas mudanças também precisam ser estudadas, se vão ser feitas ou não. E aí tem o risco de ficar uma colcha de retalhos: estudada muito às pressas, puxa uma coisa daqui, outra dali, e acaba ficando uma colcha de retalhos. Qualquer lei precisa ser analisada de forma integrada. Temos de entender o espírito da lei de forma integrada e ela tem de conversar entre si também.
Qual ponto da proposta do governo deve gerar mais polêmica?
Certamente é o autolicenciamento, porque não prevê para que tipo de atividades será aplicado. É o Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente) que vai definir quais atividades serão sujeitas ao autolicenciamento. Se fosse uma proposta de autolicenciamento para pequenas atividades, de menor impacto, e não situadas em zonas de proteção e de conservação, talvez a aceitação fosse maior. Mas essa previsão aberta de administrativamente decidir o que vai passar ou não pelo autolicenciamento fica bem complicada.
Existe o risco de a matéria ser judicializada?
Sempre há. Inclusive, o Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (Senge-RS) entrou com um mandado de segurança contra o regime de urgência. É a questão da aceitação. Se a população não participa da discussão e do debate, e principalmente alguns setores técnicos que foram surpreendidos com esse projeto, a exemplo dos servidores da Fepam e do próprio pessoal da Consema – tem gente no conselho que disse que não conseguiu debater o projeto, então a chance de não aceitação é maior.
O governo argumenta que a atualização do código ambiental vai destravar investimentos no RS.
E com base em que eles dizem isso? Eles não trazem nenhum estudo. O licenciamento hoje no Rio Grande do Sul não está demorado, está levando cerca de 60 dias, foi feito um sistema eletrônico. Então, claro que há projetos que travam, mas normalmente é porque há problemas no projeto e no próprio estudo de impacto apresentado. Há um discurso de que o Estado precisa urgentemente disso como se as normativas ambientais fossem as responsáveis pela crise do Estado, mas não se traz números, não se traz dados técnicos, não se traz um análise para mostrar em quantos pontos percentuais essas alterações vão agilizar (o licenciamento). Por isso que não se consegue entender a urgência. O projeto não vem com dados específicos que realmente demonstrem que realmente existe essa urgência.
O dilema que se coloca é entre o desenvolvimento e a preservação do ambiente.
A gente precisa entender que hoje em dia o desenvolvimento inteligente é feito com sustentabilidade. A gente não pode colocar no discurso como coisas opostas. E esse é um dos problemas no discurso do governo, ele fala como se a legislação ambiental fosse um entrave ao desenvolvimento. Existem alguns pontos que o governo critica na legislação ambiental sobre os quais estamos todos de acordo. Por exemplo, aumentar o prazo de licenciamento. Hoje é de cinco anos, no resto do país é de 10 anos. Isso está todo mundo de acordo. E em relação a isso poderia ser feito um projeto de lei para ser votado com urgência rapidamente. Mas os outros aspectos técnicos que estão sendo retrabalhados é que merecem uma análise mais adequada. Embora todo mundo reconheça que é preciso evoluir e fazer melhorias, fazer uma mudança tão grande sem um estudo aprofundado é complicado.