Especialistas em preservação do meio ambiente ouvidos por GaúchaZH apontaram uma série de riscos envolvendo o autolicenciamento ambiental — projeto do governo do Estado para futura reforma geral do Código Estadual de Meio Ambiente.
Francisco Milanez, biólogo e presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), classificou o projeto do governo como “absurdo”, enquanto o consultor e professor de direito ambiental Beto Moesch avaliou o plano como “açodado” e uma forma de colocar o “crescimento econômico acima do meio ambiente”.
Para o presidente da Agapan, o Estado não pode abrir mão de uma atividade que é fundamentalmente sua. Milanez argumenta que repassar a decisão sobre o licenciamento para o empreendedor interessado abrirá espaço para distorções provocadas por pessoas mal intencionadas.
— A função do Estado é monitorar e licenciar. Ele está abrindo mão de algo que é legalmente função dele. É pedir demais que a parte interessada (empreendedor) seja o próprio juiz (do licenciamento). O que não pode é deixar o bom empreendedor órfão da tutela do Estado e o mau empreendedor livre para falsificar informações — alerta Milanez.
O efeito imediato de implementar o autolicenciamento, no entendimento de Milanez, seria a proliferações de “péssimos projetos e péssimo controle”.
— O Estado quer pular para dar a multa, mas não quer fazer o processo educativo, que é o licenciamento. E o empresário, às vezes, vai entrar em uma fria porque comprou um projeto ruim que convenceram ele que era bom, e o Estado deixa ele sozinho — pontua Milanez.
O biólogo também argumenta que o autolicenciamento abriria espaço para uma competição mercadológica injusta entre os empreendedores que seguirem as normas e aqueles que não respeitarem a legislação.
— A atividade empresarial é para acontecer se interessa ao Estado, se é boa para nossa saúde e desenvolvimento. Se não é, vai fazer em outro lugar. Não queremos piorar nossa qualidade de vida aqui — avalia Milanez.
O biólogo também critica a possibilidade de autolicenciamento para atividades como a plantação de eucaliptos.
— A silvicultura no mundo inteiro, estive em consultas organizadas pelos produtores de celulose, e todos sabem que produção de eucalipto seca córrego, arroio, tudo. Não existe quase vida embaixo dessas monoculturas. Gera um impacto ambiental enorme — destaca.
Beto Moesch, ex-vereador em Porto Alegre pelo Partido Progressista (PP), hoje sem partido, foi um dos coordenadores da construção do atual código estadual. Por nove anos, debateu com diversos setores produtivos e políticos a redação da lei que está em vigor desde 2000, aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa. O professor de direito ambiental entende que as mudanças propostas pelo governo do Estado demandariam um novo debate aprofundado.
— O licenciamento ambiental é o instrumento que busca garantir um dos princípios do meio ambiente: a prevenção. O autolicenciamento mata esse princípio. Não existe prevenção. Só depois de o dano ocorrer, vai se saber se o dano ocorreu. Na minha opinião, isso é brincar com algo muito sério que é a defesa do meio ambiente — alerta.
Outro risco apontado pelo professor e consultor é de que, sem a análise prévia dos técnicos, pode ficar ainda mais difícil de identificar a origem de uma poluição ou degradação.
— O meio ambiente é muito difuso, se difunde. Como vai se identificar quem está poluindo? O autolicenciamento dificulta ainda mais — avalia.
A aposta de Moesch é de investimento no órgão ambiental, tanto em tecnologia, quanto em pessoal, para que o licenciamento não seja nem rápido, nem lento.
— Enxergo como uma preocupação maior com a economia do que com o meio ambiente. A economia é um instrumento para a sociedade, não pode estar acima da sociedade. O autolicenciamento é colocar o crescimento econômico acima do meio ambiente — afirma Moesch.
O professor Paulo Brack, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), critica o imediatismo do projeto.
— Está sendo um processo imediatista que privilegia empreendimentos nem sempre sustentáveis como uma guerra fiscal entre os Estados, e que desconsidera a atual capacidade de suporte mais fragilizada dos nossos ecossistemas remanescentes — declarou.
Brack lembrou que o Rio Grande do Sul é o Estado com menos unidades de conservação ambiental (2,6% do território, contra os 17% previstos nas metas da ONU), tem três dos rios mais poluídos (Gravataí, Sinos e Caí) e falta atualização do zoneamento ambiental, que deveria acontecer em 2011.
— O autolicenciamento, a aceleração das licenças ou outro procedimento que só veja um lado da moeda, sem sabermos o diagnóstico do "paciente", no caso, o ambiente do RS, é uma situação que pode ser catastrófica para o pouco que resta da qualidade dos ecossistemas que dão suporte a uma economia que, ademais, deveria ser sustentável mas não é. Cabe lembrar que barragens importantes como as de Brumadinho eram "automonitoradas" e deu no que deu. Temos que antes de tido fortalecer os órgãos de meio ambiente — declarou Brack.
Entidades empresariais comemoram medida
Mas, para Luiz Carlos Bohn, presidente da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado (Fecomércio-RS), a medida é positiva: diminui o gasto para o poder público e deve alavancar investimentos de empresas no Estado.
— Somos plenamente a favor, pois conecta com o que estamos trabalhando aqui em Brasília hoje na MP da liberdade econômica. Em empreendimentos de baixo risco é perfeitamente cabível que a empresa assuma o risco de suas intervenções, isso diminui os custos para o setor público e acelera investimentos no setor privado — defende.
Também favorável a proposta, Guilherme Sari, presidente do Sindicato das Empresas de Energia Eólica do Rio Grande do Sul (Sindieólica-RS), argumenta que o setor privado tem meios mais rápidos de fazer a fiscalização.
De acordo com Sari, o processo para obter licença para um novo empreendimento "vem evoluindo, mas ainda é demorado". Para conseguir a liberação, ele afirma que leva entre oito e nove meses.
— A ideia é trabalhar um pouco mais a responsabilidade do empreendedor, que ele assume esse compromisso. Se fizer algo errado, será fiscalizado. O órgão (público) já tem uma morosidade normal, tem pouco pessoal, é mais lento em relação ao empresário, que pode se envolver nessa fiscalização — argumenta.