Desde que os caminhoneiros tomaram as estradas e pararam o país, em maio do ano passado, o preço dos combustíveis não saiu mais do debate nacional.
A nova política de preços da Petrobras, que prevê o repasse na bomba sempre que o valor oscilar no mercado internacional, foi questionada recentemente até mesmo pelo presidente Jair Bolsonaro, que tentou segurar o aumento do diesel com medo de nova greve nos transportes.
Para o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Décio Oddone, o caso não deve se repetir. Nesta entrevista, ele fala sobre a regulação do mercado, a formação de preços, intervenções e a possível privatização da Sulgás.
A política de preços dos combustíveis é correta?
O petróleo é uma commodity, por isso seu valor é formado nos mercados internacionais. Precisamos que esses preços sejam transparentes e justos, que reflitam as variações do mercado e do câmbio. Para que sejam justos, precisamos de competição e que a divulgação de preços seja feita de forma transparente. Estamos trabalhando nas duas direções. Há menos de um mês, a Petrobras divulga os preços reais praticados em cada um dos pontos do país. Isso permite que a sociedade acompanhe a variação dos preços em relação às cotações internacionais.
Sempre que o preço sobe, o reajuste na bomba é imediato. Mas o consumidor não percebe quando há recuo. Por quê?
Tem um efeito que alavanca o aumento e as reduções de preço, que é a forma como é calculado o ICMS. Os Estados estabelecem um preço de referência, um percentual do valor na bomba. Acredito que, no Rio Grande do Sul, deve ser por volta de 30%. O Estado faz uma pesquisa na bomba e estabelece o valor do ICMS. Se há alta na refinaria, o preço na bomba aumenta. E, ao subir na bomba, sobe o preço de referência. Aí sobe o ICMS, que faz subir de novo o valor na bomba, que impacta o ICMS. Assim, o ICMS trabalha como alavancador do aumento e da redução do preço. O ideal para evitar esse efeito é que o ICMS fosse um valor fixo por litro, e não um percentual, como é hoje.
O fato de existirem poucas distribuidoras tem algum impacto sobre os preços?
O que precisamos no Brasil, na cadeia toda, é mais competição e mais transparência. O refino está na mão da Petrobras. Na distribuição, entre 60% e 70% do volume está com três empresas. Há concentração na distribuição e uma série de regras que dificultam a competição. Precisamos do aumento da concorrência em toda a cadeia – no refino e na distribuição. Competição e transparência são as soluções para termos preço justo.
Mais competição poderia reduzir valor dos combustíveis?
O preço praticado em regra de mercado, conhecido de forma transparente, esse é o preço adequado para a sociedade. Se eles vão ser baixos ou altos, dependerá de como o mercado está se comportando. Essa é a mudança estrutural feita.
Então o senhor consegue projetar para daqui um tempo o preço mais adequado para o consumidor? Significa que hoje ele não está adequado?
Hoje ele está adequado, mas em alguns momentos, os valores praticados no Brasil estavam acima do mercado, e durante outros períodos, muito abaixo. Em 2008, 2010, 2014 e 2016 estavam bem acima; entre 2011 e 2014, bem abaixo. São preços de alguma forma artificiais. O que foi feito nessa direção? Desde o ano passado, a ANP publica o preço de referência de derivados do petróleo para importação. E, no último mês, a Petrobras passou a publicar os preços para gasolina e diesel. Não são contas exatas, são preços de referência. Mas indicam o quão distantes os preços nacionais estão dos internacionais. Hoje, os preços no Brasil estão alinhados aos preços internacionais.
Como o senhor viu a interferência do presidente Jair Bolsonaro no diesel?
Não só vi, como participei. Não vi intervenção. Houve um pedido de esclarecimento por parte do presidente, que foi dado pela Petrobras e também por mim, do ponto de vista de discussão de como se dá a formação de preço dos derivados. E a Petrobras continua com liberdade de formação de preços.
O senhor não viu problema nisso, então?
O presidente pediu esclarecimentos de como era a formação de preços de derivados, e essas informações foram dadas. Não houve interferência na formação de preços da Petrobras.
Ele disse que achava muito 5%, quando a inflação não chegava a isso? O senhor ouviu essa declaração dele?
Ouvi, estive lá, conversei com ele. Foi esclarecido isso ao presidente, e o presidente não interfere nos preços.
O senhor confia que isso não vai mais acontecer?
Tenho confiança de que, do ponto de vista do Estado brasileiro, há entendimento de como se formam e como devem ser praticados os preços para derivados de petróleo, e a importância disso para a economia brasileira. O Brasil, como a maior parte dos países, é tomador de preços na questão de combustíveis. Na greve dos caminhoneiros, o governo (Michel) Temer, adotou uma subvenção de R$ 0,30 por litro no diesel bancada pelo Tesouro, e não pela Petrobras ou pelas outras companhias. Essa subvenção foi até 31 de dezembro, mas não foi algo que tenha se refletido no balanço da Petrobras ou das outras companhias. O que prevalece agora em 2019 é a mesma coisa: a Petrobras e outras empresas que fornecem combustíveis no Brasil têm liberdade de formação de preços, sem interferência do governo.
No Rio Grande do Sul, o governo quer privatizar a empresa estatal de gás. Como o senhor vê isso?
É possível que, uma vez privatizada a Sulgás, haja maior disponibilidade de recursos para ampliação da rede no Rio Grande do Sul. Tem uma limitação na Sulgás que é a questão do gasoduto Bolívia-Brasil. E a capacidade de chegada de gás natural pelo gasoduto Brasil-Bolívia na Região Sul, é limitada em Porto Alegre e Canoas. Seria necessária ampliação da capacidade de importação de gás natural pelo Rio Grande do Sul para que a Sulgás pudesse aumentar sua rede. Para isso, há alternativas; vejo uma série de discussões sobre projetos que visam trazer mais gás natural para o Rio Grande do Sul e acho isso muito positivo.