Um estudo que acaba de ser publicado pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) coloca ainda mais em evidência a falta de qualidade das estradas e a ausência de alternativa ao transporte rodoviário. O levantamento leva em conta toda a malha rodoviária, ferroviária e hidroviária do país, e o diagnóstico é que, para deixar o Brasil numa posição confortável em matéria de transporte, seriam necessários investimentos de R$ 566 bilhões nos próximos 30 anos. Isso é muito mais do que o aplicado nas últimas décadas e cinco vezes o valor que o governo planeja para projetos de longo prazo sinalizados recentemente pelo Ministério da Infraestrutura.
O presidente da CNT, Vander Costa, avalia que não há como escapar do investimento privado nas rodovias com a consequente concessão e cobrança de pedágio.
Qual é o diagnóstico que a CNT faz sobre as estradas brasileiras?
O estudo foi feito para observar todos os modais de transporte, tanto de carga quanto de passageiros. O relatório das rodovias é mais detalhado porque é a principal matriz de transporte. E o que podemos constatar é que existe muita coisa a ser feita. Tem muitas rodovias com grande tráfego de veículos e que necessitam de modernização, seja pela duplicação ou pela formação de terceira faixa. Fizemos um trabalho grande de vistoria e detectamos pontos onde há falhas de geometria, como o grau da curva, que pode provocar acidentes, e a inclinação da pista, que é importante na drenagem da chuva, para evitar aquaplanagens. Foram mais de 100 mil quilômetros percorridos, tanto em rodovias pavimentadas quanto em estradas de terra. Mais do que isso: fizemos uma proposta do que pode ser feito e estamos com o trabalho pronto para ser entregue ao governo com levantamento detalhado e alternativas para viabilizar a melhoria da infraestrutura.
O estudo prevê que o país precisa investir R$ 566 bilhões em rodovias. Como fazer isso?
A alternativa é fazer PPPs, com participação pública e privada. Há empresas no Brasil e no Exterior com fundos de investimentos capitalizados que têm disposição de investir no país. Basta que o governo faça licitação que dê segurança ao investidor. Ele quer trazer o dinheiro para o Brasil, fazer a obra no tempo programado e ter o retorno do capital investido. Nas PPPs, tem a participação do público. O Estado brasileiro hoje não tem disponibilidade para investimento. Qual seria a participação dele, então? Entra com aquilo que está pronto, entrega como participação pública a rodovia no estado em que se encontra hoje e coloca a manutenção e a melhoria por conta da iniciativa privada. As rodovias são exemplo de que é possível fazer por meio da iniciativa privada com o pagamento de pedágio. Defendemos dois pontos diferentes em relação ao que aconteceu no passado: que não tenha outorga, porque o pagamento (pela concessão) da rodovia encarece o custo de quem está investindo e vai fazer com que pedágio seja mais caro. E o pedágio mais caro significa menor tráfego e menor desenvolvimento econômico.
Qual o segundo ponto?
O segundo ponto é cobrar pela quantidade de quilômetros percorridos. O pedágio é um tributo bastante defensável porque é proporcional ao uso. A pessoa que não utiliza a rodovia não vai pagar nada. Hoje, não tem pedágio nos grandes centros urbanos, as praças são deslocadas, até por questão de populismo. Se colocar a praça onde tem maior fluxo, teremos tarifa mais barata e conseguiremos viabilizar mais rodovias com qualidade.
Outros países têm esse sistema.
Existe em Portugal. Se usar alguns quilômetros da rodovia, vai pagar alguns centavos de euro. Você paga pela quantidade de uso. E a cobrança não precisa ser necessariamente em moeda: pode ser eletrônica, com cobrança mais fracionada. O pedágio é pago sem muita contestação pelo usuário quando visa a remunerar o custo de manutenção e os investimentos necessários para as melhorias, porque o ganho que ele vai ter em segurança e produtividade com a rodovia bem conservada justifica o pagamento.
Que nota o senhor daria para a situação das rodovias?
Na média, as rodovias não passariam de ano. Tem muita coisa que precisa ser feita, reconhecendo a situação do Estado brasileiro, que não tem recurso imediato. O governo deveria fazer as privatizações e entregar os investimentos e a manutenção para o setor privado. Continuo insistindo que não deve ter outorga para não encarecer a tarifa. O governo vai ganhar com pedágio. Primeiro, vai ganhar com economia de custo porque não vai ter de investir na manutenção e na ampliação. Isso alivia o caixa. Segundo que, quando privatiza, a iniciativa privada paga imposto. Então, vai aumentar a arrecadação. Não justifica ter mais uma oneração por meio da outorga. Além disso, privatizar vai gerar empregos e a economia começará a ter crescimento sustentável. Defendemos privatizações feitas da forma mais rápida possível em um modelo que seja claro, transparente, objetivo e dê segurança para o investidor colocar o capital e sair com o retorno planejado.
Mas o modelo de outorga vem sendo utilizado hoje.
Quando a outorga é muito cara, inibe o crescimento econômico.
O pedágio caro demais faz com que as pessoas evitem viajar. Se é caro demais, encarece o frete. A outorga é custo para quem está investindo. Temos de trabalhar para reduzir o custo Brasil. O governo está querendo cobrar a outorga para resolver o problema de curto prazo do déficit fiscal. Não é a melhor alternativa. A melhor é a gestão de longo prazo. A privatização vai reduzir os gastos com manutenção e vai permitir aumento de arrecadação pelos tributos. O governo já está enxergando isso na telefonia móvel. O pessoal vai colocar o 5G sem outorga, mas preocupado em ter qualidade de comunicação. Eles falam exatamente isso: vamos nos contentar com os grandes tributos que a comunicação traz para o governo. Não há necessidade de cobrar outorga inicial. É como se estivesse vendendo a galinha de ovos de ouro. É preferível ter a galinha e esperar os tributos virem para aumentar o fluxo de caixa, e permitir um crescimento econômico sustentável, do que querer vender a galinha para colocar dinheiro no caixa e dificultar o desenvolvimento econômico.
Como o setor avalia o impacto dos caminhões em rodovias?
Impacto, tem. Mas responsável por degradar a rodovia, não. Por ter mais impacto, pagam mais para trafegar nas estradas com pedágio. Então, estamos pagando para colocar um asfalto de qualidade. Onde não tem pedágio, o que provoca deterioração é falta de balança e de fiscalização. O caminhão que anda no peso legal não deveria provocar impacto porque a rodovia tem de ser construída com a capacidade de tráfego prevista em legislação. Por que o Estado não pesa? O impacto é pela falta de fiscalização.
O senhor é crítico da atual política de preços da Petrobras?
Critico a variação constante de preços. A Petrobras pode fazer o preço de mercado internacional, tem de ter paridade de preço. Mas, em vez de passar essa variação frequente para o consumidor, ela tem capacidade de fazer hedge, tem uma estrutura muito mais forte, técnicos capacitados. A Petrobras deve ter uma ferramenta para que a variação não seja frequente, de até duas vezes por semana como está acontecendo. Para ela, não vai ser tão custoso e não vai trazer nenhum dano ao balanço dela.
As PPPs são contratos de até 35 anos firmados pela administração pública com ente privado. A contratação é precedida de concorrência e está sujeita à
Lei 11.079/2004, que prevê consulta pública das minutas de edital e contrato, explica o advogado Airton Cesar Favarim. As PPPs precisam da participação do ente público, seja na realização de parte do investimento ou com o fundo garantidor.
A outorga é a contraprestação do ente privado para demonstrar que tem condições, para estar apto, a participar de um edital público. A outorga, nesse caso, é excludente. Se a empresa não conseguir pagar a outorga estabelecida, não consegue se habilitar para participar da concorrência, explica o advogado Airton Cesar Favarim.
Após frear repasses de preços de matéria-prima e dólar entre 2008 e 2014, a Petrobras passou a fazer reajustes diários nos combustíveis em outubro de 2016. Uma das consequências foi a greve dos caminhoneiros. Depois disso, passou a alinhar preços com menor frequência, usando instrumentos financeiros conhecidos como “hedge” (seguro).