Ana Amélia Lemos (PP-RS) tem dividido sua rotina, nos últimos dias, entre a definição de seu futuro político, a despedida do mandato no Senado e uma bateria de exames médicos prescritos de última hora. A partir de março, ela assumirá a Secretaria de Relações Federativas e Internacionais, o braço político do governo Eduardo Leite em Brasília. No final do ano, logo após a eleição, Ana Amélia sentiu tonturas e mal-estar. O diagnóstico médico apontou para crise de estresse com recomendação para um checkup e repouso. Por isso, em vez de tomar posse com o secretariado de Leite, Ana Amélia optou por passar uns dias descansando no Uruguai. Em fevereiro, viajará ao Exterior – Estados Unidos é uma das opções – para cursar inglês. Quando voltar, assumirá a função cujo desafio principal é ajudar a viabilizar o acordo com a União que pode aliviar as finanças do Rio Grande do Sul.
Um dos seus desafios em Brasília será conduzir o Rio Grande do Sul nas negociações da adesão ao regime de recuperação fiscal. Como pretende atuar para que isso aconteça?
Este não é só o meu desafio, mas também de todo o governo de Eduardo Leite. Já tivemos audiência com o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello, que deu a liminar que suspende o pagamento da dívida do Estado com a União. Foi um encontro muito produtivo, e ele deixou muito claro que é necessária a continuidade do diálogo dos Estados com a União. Esse tema está muito mais dentro de uma solução política do que jurídica, exatamente pelo alcance que esse processo tem. Quando você ouve os discursos de Paulo Guedes (ministro da Economia) de que o sistema federativo brasileiro tem distorções sérias porque concentra todos os recursos na mão do governo federal, mostra que o novo governo tem sensibilidade maior para entender o dilema que os Estados, os primos pobres da nação, estão vivendo.
A senhora acredita que a suspensão do pagamento da dívida será mantida?
Isso ainda precisa ser submetido ao pleno do Supremo Tribunal Federal, mas senti claramente que o ministro está apostando muito numa saída, ele falou muito na necessidade de continuidade do diálogo. Essa construção está sendo feita. Aí, teremos outros caminhos possíveis, como, por exemplo, um acerto contábil entre os governos. Um exemplo: Estados exportadores, como o Rio Grande do Sul, ainda possuem créditos provenientes da Lei Kandir, e o governo federal não nos paga.
Mas o recado de Paulo Guedes foi duro, indicando que não vai abrir mão de receita.
Este também foi o discurso do Eduardo Leite na campanha. Foi assim que ele administrou Pelotas e assim será no governo. Paulo Guedes ter dito que pretende conter despesas e não abrir mão de receita é natural. Quando o cobertor é curto, é preciso focar muito na qualidade da gestão. Eu mesma, no meu gabinete no Senado, fiz cortes e economizei 70% do que poderia ser gasto. E, mesmo assim, a produtividade foi muito alta.
Quando o cobertor é curto, é preciso focar muito na qualidade da gestão. Eu mesma, no meu gabinete no Senado, fiz cortes e economizei 70% do que poderia ser gasto. E, mesmo assim, a produtividade foi muito alta.
Ainda neste ano será possível fazer a adesão ao regime?
Tem de encontrar saída. É preciso solidariedade federativa. Sem isso, não sairemos do buraco. Isso significa que a União tem de ter mais sensibilidade. 70% de todos os recursos estão nas mãos da União. O desequilíbrio federativo é muito grande.
O seu futuro político é tentar voltar ao Senado?
Sem dúvida. Já dei minha cota partidária às disputas pelo Executivo, em 2014 (para o governo do Rio Grande do Sul) e em 2018 (candidata à vice na chapa de Geraldo Alckmin, do PSDB). Aprendi mais em um mandato no Senado do que em 40 anos no jornalismo. Meu desejo é esse: Senado em 2022.
Como vê o momento das relações exteriores com o novo ministro, Ernesto Araújo, já que a senhora vai atuar nesta área pelo Estado?
A política externa é muito sensível. Qualquer decisão que você toma tem repercussão muito grande. Acordo de Paris, por exemplo, trata de clima e de sustentabilidade. O Brasil tem a Amazônia, que dizem ser o pulmão do mundo. Na verdade, é o pulmão do Brasil. Se é do mundo, então que paguem (outros países) por isso. Quando há anúncio desse tipo, já dá pretexto para que os franceses, que são os maiores protecionistas do mundo na agropecuária, digam que sem o Acordo do Paris não sai acordo Mercosul e União Europeia. Isso é um jogo. Sobre o ministro, convivo muito com a diplomacia e tenho ouvido referências elogiosas. A minha interrogação sobre ele é que as declarações estão muito mais no campo ideológico do que no pragmático da relação externa. É nesse ponto que temo que exista algum resquício que venha a afetar as relações comerciais.
Como vê o governo Bolsonaro?
Muito bem na Economia e na Justiça, com Sergio Moro, que deu linha para aquilo que é a grande preocupação dos brasileiros, a segurança. E ainda deu trato mais enérgico no combate à corrupção. É um juiz, mas tem discurso político, sintonizado com a voz das ruas. Paulo Guedes é um técnico, mas fala com compreensão. Sabe verbalizar as questões técnicas da economia.
Tem algum ponto baixo?
Sou uma pessoa otimista. São apenas alguns dias de governo. Vamos chegar aos 30 dias pelo menos, dar voto de confiança.