Cezar Schirmer chega para a entrevista com uma planilha embaixo do braço. É uma tabela com descrições, números e tipos de crimes ocorridos, mês a mês, de janeiro de 2017 a novembro de 2018. Os indicadores são favoráveis ao trabalho feito pela gestão dele, que assumiu a Secretaria da Segurança Pública (SSP) em setembro de 2016, em meio à explosão da violência que acossava os gaúchos. Antes, renunciou à prefeitura de Santa Maria, gestão marcada pela tragédia da boate Kiss.
– Saio com a sensação de dever cumprido. Se essa política tiver continuidade, em dois anos o Rio Grande do Sul será referência em segurança – afirma Schirmer.
Leia, a seguir, trechos da entrevista.
O senhor diz que deixa a função com a sensação de dever cumprido.
Quando assumi o cargo, em função de uma circunstância péssima, uma senhora faleceu, havia um desafio enorme. Não sou da área, não tenho conhecimento técnico e não é meu papel saber dar um tiro, como prender alguém ou como fazer um inquérito. O papel do secretário da Segurança é o de gestor das questões da segurança pública para dentro e para fora. E a isso me dediquei. Trabalhei em quatro áreas fundamentais: integração, inovação, inteligência e tecnologia. A visão tradicional é que segurança pública são forças estaduais de segurança só e, ao lado disso, mais efetivo e mais equipamento. Essa é a visão antiga e histórica. Agora, a visão moderna envolve outras questões: inteligência, inovação, integração tecnologia. E agregaria outro fator: a prevenção. Se não fechar o tubo gerador da violência, você pode investir muito na segurança, mas a raiz do problema não estará resolvida. Agregar outra visão, mais contemporânea, foi o fundamento da nossa condução.
Até a sua chegada, a Segurança foi tratada como uma pasta igual as outras. O senhor conseguiu recuperar o tempo perdido?
Fizemos um esforço muito grande na integração. Lançamos um programa inédito no Brasil e que, agora, o governo federal incorporou, que é o Susp (Sistema Único de Segurança Pública). Fazia décadas que se discutia, agora foi aprovada a legislação federal. Lançamos o SIM (Sistema Integrado dos Municípios) logo que assumimos, o sistema integrado com os municípios e nos municípios, porque é lá que acontecem os problemas. O cercamento eletrônico das cidades é fundamental. Temos parceria com a Polícia Rodoviária Federal. Assinamos convênio no sentido de colocar câmeras de videomonitoramento nas estradas federais e estaduais e nos municípios. Hoje, a tecnologia permite colocar uma câmera em qualquer lugar do Rio Grande do Sul. E todas as imagens são espelhadas nos centros regionais. O crime anda muito sobre rodas. Isso é uma mudança radical, que é a incorporação da tecnologia integrada na segurança.
Hoje, a tecnologia permite colocar uma câmera em qualquer lugar do Rio Grande do Sul. E todas as imagens são espelhadas nos centros regionais. O crime anda muito sobre rodas.
Mas tem de ter gente atrás das câmeras para agir.
Uma das leis que aprovamos na Assembleia nos permite ampliar as competências do aposentado, trazer também egressos do serviço militar obrigatório, que são os jovens que saem do quartel. E estamos acoplando nesses centros a unificação do telefone de emergência. Nos Estados Unidos e no Canadá, toda a emergência de segurança pública, incêndio e saúde é 911. Na Comunidade Europeia, que são 27 países, é um número só (112). E nós ainda temos dezenas de telefones de emergência no Brasil e no Estado. Isto reduz custos e facilita a vida da população.
Um crime que explodiu no Estado foi o assalto a banco com reféns. O que houve?
O pessoal atribui ao pouco contingente nos pequenos municípios. Não é isso, não. Mesmo que tivesse o dobro, o roubo a banco com reféns e cordão humano, que é o novo cangaço, não haveria reação na hora porque tem um cordão humano. Tem de preservar a vida das pessoas. O que acontece? Se dá depois de consumado ou concluída a operação do assalto, na fuga. Aí a Brigada Militar (BM), por meio da inteligência, colocou quadros de reservas em alguns municípios e um helicóptero, inclusive. A Operação Diamante é um trabalho de inteligência que envolve a BM e a Polícia Civil. Quando acontece (o assalto a banco), a força gaúcha se desloca imediatamente para reforçar o contingente local e cercar o crime.
Ao menos 22 criminosos foram mortos em confrontos com a polícia nas últimas semanas. Esse dado é positivo?
O propósito das ações é mostrar que o crime não compensa. No Brasil, por muitas razões, o crime compensa: pela legislação, pela falta de aparato e de enfrentamento. O criminoso também faz cálculo: vou trabalhar em tal lugar, ganhar tanto. O criminoso pensa: "vou assaltar o banco, vou pegar R$ 200 mil, qual o risco que tenho? O risco é ter êxito – não aconteceu nada, peguei o dinheiro e fui embora para casa –, me prenderem, ser processado, ficar dois anos preso. Mas o dinheiro, peguei. Temos de mostrar para quem está pensando em entrar no mundo do crime que ele não compensa. A segunda questão é mudar o lado do medo. Hoje quem tem medo são as pessoas que respeitam a lei.
Essa demonstração de força do Estado deveria passar também pela prisão e qualificação da execução da pena?
São muitos fatores. 85% dos homicídios têm a ver com a droga. Não existe tráfico de drogas sem consumo. Se todos não comermos mais cenoura, o produtor de cenoura vai quebrar. Se o consumo de drogas reduzir, vai baixar o tráfico. Por consequência, vai reduzir o crime. Há 30 anos, o Brasil era caminho das drogas da América do Sul para a Europa e os Estados Unidos. Hoje, somos o maior consumidor de crack e maconha do mundo. O segundo de cocaína. Então, a droga é rentável, um grande negócio. O consumidor de droga tem de se conscientizar que ele está movimentando uma cadeia econômica ilícita, bilionária e criminosa, que vai se voltar contra ele e a sua família.
O senhor é contra qualquer descriminalização de drogas, como a maconha?
Sou totalmente contra, sobretudo pelos malefícios à saúde. O Uruguai está liberando a maconha e a polícia uruguaia não tem muito o que fazer. Maconha de vários países está sendo levada para lá, inclusive do Brasil, e estão sendo pagos com armas. Os homicídios dobraram no Uruguai. Não acho que esse seja um caminho adequado do ponto de vista da segurança. Naquela linha do que estava falando, que o medo tem de mudar de lado: por que mesmo os países pacíficos se armam? Não estão se preparando para a guerra. Tem um ditado em latim que diz: "se quiseres a paz, te prepara para a guerra". A polícia tem de ter força de dissuasão. O que aconteceu em Três Palmeiras, Nova Petrópolis e Arroio dos Ratos: houve, sim, um enfrentamento. Criminosos armados, Brigada armada.
O que aconteceu em Três Palmeiras, Nova Petrópolis e Arroio dos Ratos: houve, sim, um enfrentamento. Criminosos armados, Brigada armada.
Por que não tinha isso antes?
Porque não estávamos próximos. Foi uma operação que começou há uns seis meses.
Isso não tem relação com o discurso de campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL)?
Não, claro que não. O que temos de copiar é a polícia americana, europeia, japonesa. Lá têm poder de fogo imenso, poder de dissuasão do criminoso. Você sabe que, se entrar no mundo do crime e atirar contra um policial, está correndo risco de morrer. Ninguém disse "vamos lá e matem". Não. Houve enfrentamento, o grupo criminoso armado, um grupo policial armado, a polícia tem melhor pontaria e é preparada para isso. Se os criminosos tivessem se rendido... Depois que você está preso e imobilizado, você receber um tiro, aí é uma covardia. Aí é uma coisa brutal. Sou totalmente contra porque isto é uma coisa não civilizada. Aí nós seríamos iguais aos criminosos.
Qual foi o momento mais difícil desses 27 meses na Secretária? O senhor pensou em deixar o governo em algum momento?
Nunca pensei porque, se não tivesse compreendido a relevância do desafio e tê-lo aceito, não ia ser secretário. Aceitei consciente de que teria um desafio pela frente. Ocupar este posto é uma coisa muito complicada porque você é um pouco prisioneiro da sua própria segurança e para a família é muito complicado. Quando o governador me convidou, consultei 10 amigos. O que menos reprovou a minha adesão me chamou de louco. Houve um episódio que foi momento de inflexão, de mudança de visibilidade das ações vínhamos adotando: a Operação Pulso Firme, quando transferimos 27 chefões do crime organizado para prenitenciárias federais. Teve integração perfeita entre diferentes instituições e com resultados muito positivos. Antes de assumirmos, havia apenas cinco presos do RS em presídios federais num universo de 900. Conversei com o futuro ministro da Justiça, Sergio Moro: é um absurdo mandar o preso para um presídio federal, ele ficar um ano e voltar. A prisão federal tem de ser permanente, é para os chefões do crime, os presos de alta periculosidade. Eles têm de ficar lá presos pelo resto da vida.
O senhor pediu isso para ele?
Pedi. Tem de ser assim. Mas precisa de uma lei federal. Defendo o cumprimento da pena de crimes desses maiores criminosos fora do Estado, em presídios federais.
O que precisa mudar na lei penal?
O Brasil é especialista em leis inexequíveis. A lei penal brasileira é boa, mas para Finlândia, Dinamarca, Suécia. Para o Brasil, quem sabe daqui a 20 anos.
Dê um exemplo.
O semiaberto. Tem de acabar. Sou totalmente contra o regime.
Qual foi o momento mais difícil da sua gestão?
Todos os momentos foram difíceis. Ainda não há uma compreensão de que nós, poderes públicos, temos de estar do mesmo lado. A imprensa também. Quantas vezes tivemos de parar tudo que estávamos fazendo para recorrer de decisões tomadas por um juiz singular relativas à segurança? Tivemos de recorrer ao Tribunal de Justiça, que sempre confortou nossas teses. Não estou dizendo que juiz errou. Mas é sempre um momento difícil e atrapalha bastante. Nessa semana, tivemos de recuar do início das obras de um presídio por causa de decisão que envolve a área ambiental. É perda de tempo. Essa obra devia estar pronta. Essa burocracia é um inferno. O Brasil é feito para não funcionar.
Nessa semana, tivemos de recuar do início das obras de um presídio por causa de decisão que envolve a área ambiental. É perda de tempo. Essa obra devia estar pronta. Essa burocracia é um inferno. O Brasil é feito para não funcionar.
Mas a fiscalização evita irregularidades.
Defendo a fiscalização posteriore. Se errou, agiu de forma ilegal, paga depois. Construir um presídio é um grande problema. Para começar uma obra, demora, por baixo, três anos.
Que nota o senhor daria para a segurança pública?
Não vou dar nota. Mas o sentimento que tenho é de dever cumprido. Não existe milagre. Os números ainda não elevados, mas há uma curva de redução. E tem mais: se esse trabalho tiver continuidade, em dois anos, o Rio Grande passa a ser uma referência para o país em matéria de segurança.
O senhor chegou a ser sondado para ficar no cargo?
Não. E não teria aceitado.
A tragédia da Kiss é uma ferida incurável?
Gostaria que um dia vocês me convidassem apenas para falar sobre isso. É muito doloroso para todos nós. Prevaleceu a versão de que a prefeitura de Santa Maria não teria teria agido de forma correta. E isso não é verdade. O que houve na Kiss foi um incêndio. Os primeiros documentos que recebemos foi o alvará dos Bombeiros. As demais licenças da prefeitura não têm nada a ver com a tragédia. Não é verdade que prefeitura falhou.
Prevaleceu a versão de que a prefeitura de Santa Maria não teria teria agido de forma correta. E isso não é verdade. O que houve na Kiss foi um incêndio. Os primeiros documentos que recebemos foi o alvará dos Bombeiros. As demais licenças da prefeitura não têm nada a ver com a tragédia. Não é verdade que prefeitura falhou.