O alastramento dos casos de febre amarela pelo Brasil levantou sinal de alerta máximo em São Paulo e no Rio de Janeiro e motivou a vacinação emergencial da população. O ressurgimento do vírus, cuja letalidade chega a 40,8% dos casos segundo o Ministério da Saúde, reacende o debate sobre a possibilidade de imunização compulsória desde a infância. Infectologista do Hospital de Clínicas e professor da UFRGS, Luciano Goldani defende uma política mais agressiva das autoridades sanitárias para impedir o avanço da doença.
Por que a febre amarela ressurgiu com mais força neste ano?
Devido a uma combinação de fatores climáticos e de meio ambiente. A febre amarela circula entre animais e em ambiente silvestre. No momento em que começa haver um avanço maior sobre estes locais, o ser humano passa a fazer parte do ciclo. Logicamente, isso tem relação com a devastação de florestas e o crescimento desenfreado das cidades associados. As chuvas nesta época do ano também fazem com que o mosquito tenha um desenvolvimento bem mais acentuado.
É motivo de preocupação para o Rio Grande do Sul?
Sim. Nós estamos na mesma situação. Em termos de crescimento urbano, avanço das cidades, estamos na mesma linha. Agora, o grande temor da febre amarela é que ela saia da região silvestre e se urbanize. Infelizmente, nas cidades existe o vetor propício para disseminar a doença, que é o Aedes aegypti. Teoricamente, isso pode acontecer. Nós tivemos os últimos casos urbanos aqui em 1940. Basta que pessoas infectadas com a doença, ou incubando o vírus, sejam picadas pelo mosquito e ele comece a atuar nas zonas urbanas. Aí nós teríamos uma situação crítica. Diferentemente da dengue, ela é uma doença muito mais grave.
O vírus tem alguma variação de intensidade? Às vezes, pode chegar mais forte?
Sim, o vírus oscila de acordo com o ciclo silvestre. Nós sabemos se o ciclo está mais acentuado pela mortalidade dos macacos. Quanto maior a mortalidade destes animais, temos um indicativo de que o vírus está circulando com mais facilidade. Nós não sabemos exatamente as razões. Em anos anteriores, lembro que houve a vacinação em massa da população que mora perto das áreas de mata. E isso ajudou muito a não proliferação, pois foi feita uma espécie de bloqueio da doença.
Defendo a vacinação compulsória contra a febre amarela na infância. sabemos que esse vírus circula com força nas Américas. Não podemos atacar apenas quando tem surto. Temos de trabalhar para o futuro com um plano de prevenção.
LUCIANO GOLDANI
infectologista do Hospital de Clínicas
Houve alguma falha na vigilância para impedir a volta da febre amarela com mais força?
Tenho uma opinião muito clara. Em alguns países da África, a vacinação compulsória foi introduzida ainda na infância. Faz parte do calendário obrigatório. E, além disso, as autoridades foram em busca daqueles que não tinham se vacinado e que moram muito perto de regiões com mais chance de circulação do vírus. Defendo a vacinação compulsória na infância aqui também.
A partir de que idade?
A partir dos nove meses de vida, é uma vacina segura e bem avaliada pelo calendário vacinal. Desta forma, poderíamos ir preparando essa geração para o futuro. Compreendo que a questão da produção de vacinas em massa ainda é complicada, mas lembro que isso já foi feito na África.
Se essa estratégia fosse adotada há mais tempo, hoje não estaríamos vivendo o problema?
Certamente. Esse é um trabalho de investimento. Não podemos ter essas oscilações que estamos tendo com surtos regionais, como o de São Paulo. Daqui a pouco, aparece outro surto em outra região, em outro Estado. A gente sabe que esse vírus circula com força nas Américas. Nós não podemos ficar trabalhando em atacar apenas quando tem surto. Temos de trabalhar para o futuro com um plano de prevenção estratégica.
Por que a vacina passou a ser vitalícia?
Vários estudos publicados recentemente indicam nessa direção. A proteção dura a vida toda em 98% dos casos. Os estudos sobre os efeitos da vacina foram se desenvolvendo. Também foi melhorando muito a tecnologia para analisar anticorpos e imunologia da doença, coisa que não se fazia antes. A partir daí, foram mudando os paradigmas, entre eles a duração da imunidade. Essa é uma vacina de vírus atenuado. Quando tu tomas a vacina, ela te causa uma leve infecção, isso quer dizer que ela estimula praticamente todos os órgãos. Essas vacinas são muito imunogênicas. E a dose facilita muito a estratégia de vacinação da população. Por isso eu acredito que falta uma estratégia mais agressiva de imunização.
O Estado tem capacidade hoje de vacinar todo mundo?
Não. A quantidade que existe atualmente não permite isso. Estão priorizando aquelas pessoas que vão viajar para locais de risco. E assim deve haver uma preocupação.