A advogada Gustava K., de São Paulo, faz uma interessante observação sobre os sutis mecanismos de nosso idioma: "Professor, na minha profissão, é comum nos referirmos aos advogados de uma ação como patronos da causa — os homens são patronos, as mulheres, é claro, são patronas. Não vejo problema algum nisso, até porque eu acharia esquisito se me chamassem de patronnesse, que é Francês e nada tem a ver com nosso trabalho, já que só se emprega para aquelas senhoras endinheiradas que promovem chás beneficentes. Agora, desculpe a pergunta (pode ser cacoete de advogada, acostumada com leis): se na nossa língua há um monte de "casais" de palavras que deixam bem claro o dualismo entre pai e mãe — como padrinho e madrinha, compadre e comadre, padrasto e madrasta —, como é que patrono escapou desta regra, formando o feminino com um simples –A, como advogada ou promotora? Seria porque, para muitos, matrona tem valor pejorativo?".
Sim, Gustava, esta deve ter sido uma das razões para a flexão de patrono não seguir o modelo que opõe o radical histórico de pai com o de mãe, bem presente no Português — além dos "casais" que mencionaste, posso acrescentar padre e madre (nas ordens religiosas), paterno e materno, patriarca e matriarca, parricida e matricida, pátrio e mátrio (poder), entre outros. Matrona, entre os romanos, no Mundo Antigo, designava uma mulher casada, mãe de família, honesta e ilustre por nascimento, figura digna e respeitável que respondia pela manutenção da casa e da educação moral das crianças. Bluteau, em seu dicionário de 1728, acrescenta: "Em Portugal, também se diz das viúvas". Com o tempo, no entanto, na medida em que nossa sociedade foi-se escravizando à ditadura fitness, a palavra passou a ser usada com sentido crítico, praticamente ofensivo, para descrever uma mulher corpulenta, ao mesmo tempo em que amatronar-se passou a designar o pecado de não seguir os padrões ditos "normais" de pesos e medidas...
Além disso, não se pode esperar que uma língua viva siga padrões simétricos, traçados a régua e compasso. A língua, como a água, tem muitos caminhos para escolher, e muitas vezes problemas semelhantes podem receber soluções diferentes. Por isso nem sempre serão válidos raciocínios do tipo "se isso é assim, aquilo também o será", ou, para ser mais concreto, "se o feminino de padrasto é madrasta, o de patrono deveria ser matrona". Vários fatores, muitos deles impalpáveis, podem influir na decisão dos milhões de pessoas que vêm usando o Português ao longo dos séculos — que escolheram para patrão o feminino patroa, mantendo aqui o mesmo radical pater ("pai", em Latim), assim como fizeram com padroeiro e padroeira.
Não te espantes também, cara leitora, se alguém do teu ramo propuser o emprego da forma patrono para todo o mundo, independentemente do sexo do profissional. Por que digo isso? Porque regularmente, quando chega a primavera, ocorre aqui em Porto Alegre a tradicional Feira do Livro, uma iniciativa cultural replicada hoje por muitas outras cidades de nosso Estado, e não são raras as consultas que recebo sobre o emprego correto da palavra patrono. Posso afirmar, com certo orgulho, que por aqui a questão está pacificada: quando é homem é patrono, quando é mulher é patrona. Mas sempre aqui e ali aparece alguém que maliciosamente me lembra que patrono está registrado nos dicionários como substantivo masculino. "E aí, professor? Como o senhor explica essa?". Muito simples: nossos dicionários precisam corrigir a forma de fornecer informações ao consulente. Quero saber o gênero de dó ou de alface? Abro o dicionário e esta é a primeira informação que ele traz no verbete: dó é masculino e alface é feminino. Por que diabos, no entanto, ele classifica como substantivo masculino as palavras lobo, aluno, paraninfo e muitos milhares de outras? Nossos editores deveriam aprender com o Dicionário da Academia Espanhola, que não é pouca coisa. Ali vamos encontrar, na cabeça do verbete, "niño, a", "ciudadano, na", "profesor, ra" — assim, com os dois gêneros indicados, enquanto os nossos dicionários insistem em registrar apenas menino, cidadão e professor, acrescentando ao lado, para complicar ainda mais, a classificação de masculinos...