O leitor Jonas C., de Juiz de Fora, MG, acha esnobismo usar termos estrangeiros quando temos equivalentes em nosso idioma. E conclui:"Professor, gostaria de saber por que usamos a palavra overdose, que sabidamente vem do Inglês, em vez de sobredose, que é cria de casa e diz exatamente a mesma coisa?".
Muito bem, Jonas. A tua é uma questão que devia ser levantada cada vez que deparamos com esses visitantes de fora, quando não sabemos ainda se vieram para ficar ou se estão apenas de passagem: sua importação é necessária, ou é, como dizes, apenas um item de semostração, usado por puro esnobismo? Não teríamos o mesmo efeito usando uma combinação local como sobredose? Bem, neste caso a resposta é um rotundo não: se um dia podíamos, hoje não podemos mais considerar nosso prefixo sobre como um equivalente do prefixo Inglês over, em que está claríssima uma noção de excesso, de demasia, como percebemos em overdose, ou OD no jargão dos drogaditos (lê-se /ou-di/), para significar uma dose excessiva de drogas pesadas.
Além disso, saindo da linguagem informal e passando a ser aceito na linguagem padrão, é comum em nosso meio o uso de over para indicar algum exagero na decoração, na vestimenta ou mesmo na atitude de alguém. "O uso de tecidos orientais, mobiliário tailandês e elementos africanos na decoração cansou, ficou over", sentencia uma arquiteta paulista; para criticar Madona, que deliberadamente deixou aparecer o seio durante um show na Turquia, a apresentadora Luciana Gimenez postou: "Achei over" — e por aí vai a valsa.
Nosso atual equivalente ao over do Inglês é o prefixo super. Por exemplo, overpopulation, overprotective e overcorrecting são os nossos superpopulação, superprotetor e supercorreção (aquele erro que cometemos quando estamos preocupados demais em acertar). É significativo, inclusive, que algumas palavras mais antigas formadas com sobre- estão sendo pouco a pouco preteridas por variantes formadas com o prefixo super-, como podemos ver em sobreaquecimento, sobrelotado e sobrefaturamento, por exemplo, que vêm cedendo lugar a superaquecimento, superlotado e superfaturamento. Por isso, superdose acertaria bem mais perto do alvo que sobredose — e os dicionários concordam comigo, pois registram este termo, que definem como "dose excessiva de um fármaco, dose tóxica ou mortal de uma droga estupefaciente, etc.
Solucionamos o teu problema, caro Jonas? Não. Infelizmente não. Prevejo que vamos continuar com o overdose, e não por esnobismo ou pelo desejo de macaquear o estrangeiro: é que superdose tem um sentido genérico demais para ser útil. Eu posso tomar uma superdose de vitamina C quando me sinto gripado, ou posso pedir ao barman ("homem do bar" ficaria melhor?) uma superdose de uísque — mas não se trataria de uma overdose. Este vocábulo, sim, designa um evento de alto risco, indissociavelmente ligado a drogas pesadas, que implica uma série de medidas de emergência. Ela passou, portanto, no teste que mencionei acima: ela é útil e necessária porque só ela consegue evocar instantaneamente essa perigosa ocorrência. Está aprovada a sua cidadania brasileira.
Oficina de ficção — Duas coisas sempre vêm aumentar o brilho de Porto Alegre no mês de abril: as paineiras floridas de nossos parques e a Oficina de Subtexto da querida Cíntia Moscovitch. Voltada principalmente para a ficção (conto moderno), o curso, que começa em 18 de abril, oferece 12 encontros semanais via Zoom, às terças-feiras, das 18h30min às 20h30min. Como sempre, no final do curso haverá a publicação de livro com os melhores trabalhos pela Editora Bestiário, sem custo algum para os alunos. Inscrições e informações pelo email cintiamoscovich@gmail.com.
Ah, outra coisa: o leitor vai me desculpar, mas não posso perder a oportunidade de soltar aqui os meus foguetes neste primeiro de abril: enquanto muitos comemoram o Dia dos Tolos, a Cíntia e seu Luiz Paulo Faccioli vão festejar quarenta anos — quadro décadas inteirinhas! — de uma união que encanta a todo o mundo que os conhece. Afinal, o amor nunca será over!