Várias vezes eu evoquei, nesta coluna, o prazer que todos sentimos no momento em que vislumbramos, através do opaco véu que encobre as palavras, uma semelhança ou um parentesco que jamais tínhamos percebido. O multitalentoso Alberto Savinio, irmão do conhecido pintor De Chirico, registrou, comovido, o momento em que sua filhinha de cinco anos viu se abrir diante dela, pela primeira vez, esta caverna de tesouros infinitos, ao se dar conta de que os fiammiferi ("fósforos", em Italiano) tinham esse nome porque "trazem uma chama" (fiamma).
Diz ele: "Em seus olhinhos dourados senti brilhar uma nova luz, primeiro reflexo de uma compreensão mais sólida das coisas, de uma felicidade emanada da razão". E continua: "A descoberta etimológica é uma iluminação. Ela nos dá a impressão (ou a ilusão) de tocar na Verdade com as mãos — e daí nos vem este raro prazer".
Este texto está na Nuova Enciclopedia, escrita nos anos 40; não sei se a filha de Savino ainda se encontra neste mundo, mas me atrevo a imaginar quantas vezes não terá ela revivido aquele momento mágico que seu pai descreveu − e não poderia ser de outra forma, pois quem prova a fruta uma vez nunca mais vai esquecê-la. Ao rosário iniciado por fiammiferi, suponho que vieram se acrescentar as contas inflamar, inflamável e inflamação, todas nascidas da mesma flama (o termo latino para chama). E depois certamente ela viu passar alguma Ferrari, desfilando o seu vermelho flamante, provado alguma iguaria flambada na nobre chama do conhaque ou ouvido algum padre falar na espada flamejante que impedia o acesso ao Paraíso. Finalmente, se fosse leitora desta coluna, também haveria de incluir neste grupo a inocente flâmula (literalmente "chaminha", diminutivo latino de flamma), nome dado àquelas bandeirolas coloridas que têm a forma de um triângulo alongado e que, soltas ao vento, tremulam como as labaredas de uma fogueira...
Como todos os que leem esta coluna, eu também tive o meu "Abre-te, Sésamo" etimológico. Andava eu pela casa dos oito anos quando meu pai apareceu em casa com um exemplar de O Guarani, impresso em papel de segunda e ostentando uma capa de terceira. Para mim, foi um amor à primeira vista que muitas marcas deixou. A primeira foi no estilo: até fazer a minha primeira barba, não consegui escrever uma redação que não fosse um pastiche deslavado de Alencar. Só não escrevia "A tarde ia morrendo. O sol declinava no horizonte e deitava-se sobre as grandes florestas que iluminava com os seus últimos raios" porque ele já o tinha feito antes...
A segunda foi na minha vida amorosa: a total submissão de Peri à louríssima Cecília — a sua Ceci —, de quem se considerava um simples escravo; o estoicismo com que ele suportava os maiores sofrimentos sem nada exigir em troca, além de um sorriso de aprovação de sua deusa; enfim, o desprendimento absoluto com que oferecia a própria vida para assegurar o bem-estar de sua amada — tudo isso achou campo fértil no adolescente romântico e inseguro que fui, atrapalhando bastante, como hoje sei, as minhas relações com as diversas Cecílias que encontrei por este mundo. Os entendidos entenderão: Peri foi meu Werther.
Pois é a este livro que devo a minha "iluminação etimológica": a folhas tantas, quando a mãe de Peri vem tentar convencê-lo a sair da propriedade dos brancos e voltar para sua aldeia natal, ele recusa. Ela então se afasta lentamente: "Peri seguiu-a com os olhos até que desapareceu na floresta; esteve a correr, chamá-la e partir com ela. Mas o vento lhe trazia a voz argentina de Cecília que falava com seu pai; ficou". Que diabos seria isso? A palavra argentino era bastante usada por minha avó, que tinha lá suas diferenças com os portenhos e praguejava contra eles sempre que tinha oportunidade. Mas voz argentina? E logo na imaculada Ceci? Nunca uma palavra tinha me chamado tanto a atenção; recorri ao dicionário, à enciclopédia, ao Lelo Universal, aos tios, à mãe professora, às colegas da mãe professora e aos anciãos da vizinhança e descobri que tudo vinha de argentum ("prata", no Latim), e que os espanhóis tinham dado a esta nova conquista o nome de Argentina porque ainda não sabiam que o grosso da prata vinha do Peru, mas acertadamente chamaram de Rio da Prata o curso d'água por onde escoava a produção deste metal, e que por isso a prata era Ag na tabela periódica, e que não por acaso "dinheiro", em Francês, é argent, e argentário é o dinheirista, e que uma voz argentina, como a de Ceci, tinha o timbre fino como o da prata. Bem, mas aí já era irremediável: como Ali Babá, fascinado, eu tinha descoberto a entrada do tesouro.