Um leitor de Blumenau escreve rogando pragas contra despiorar, verbo que chegou há poucos anos na praça mas já tem muitos adeptos, especialmente entre os jornalistas da área econômica. Diz ele: "A situação está despiorando – assim estava no jornal! É coisa de quem não tem o que fazer. Não acrescenta nada ao nosso vocabulário, porque já temos melhorar como antônimo de piorar; para que criar uma palavra nova para dizer a mesma coisa? O senhor não poderia, na sua prestigiosa coluna, passar um pito nesse pessoal?".
Sinto muito, caro leitor, mas não tenho a mesma opinião sobre este recém-chegado – bem até pelo contrário: para mim, é mais uma bela prova da dinamicidade de uma língua viva como a nossa. Tens toda a razão quando afirmas que o antônimo de piorar é melhorar; o problema, como vamos ver, está na definição do que sejam antônimos. Para quem frequentou os antigos bancos escolares, seriam palavras de significado oposto, criando pares singelos como leve e pesado, gordo e magro, lento e veloz. Neste cenário de polos opostos, de contornos bem definidos, o verbo despiorar realmente poderia ser considerado supérfluo, já que estaria tentando ocupar o posto de melhorar.
Acontece que as relações de oposição são tão variadas que muitos linguistas, inclusive, deixaram de usar o termo antônimo por sua imprecisão. Nos manuais escolares, reúnem-se sob esse conceito pares tão distintos quanto (1) mortal e imortal, em que um exclui completamente o outro (embora a ficção faça uso generoso dos mortos-vivos...), ou (2) pai e filho, quando se consideram os dois vocábulos como polos opostos da relação familiar (na mesma lista, deparei com homem e mulher – explica-se: era uma gramática de trinta anos atrás), ou (3) frio e quente, em que os dois vocábulos são os pontos extremos de um continuum que admite muitas gradações – caso em que se enquadra o nosso verbo em questão.
O pai dele – o adjetivo pior – vem vivendo há anos um relacionamento semelhante com melhor: eles ocupam as extremidades opostas de um eixo semântico, mas convivem com alguns intrusos em posições intermediárias da escala. Todos nós compreendemos o espírito de frases como "As eleições, numa democracia, deveriam escolher o melhor candidato; hoje, infelizmente, estamos condenados a votar no menos pior": todos os candidatos são ruins, e vamos escolher o candidato que menos danos venha a causar. É dessa maneira também que devemos entender a frase do senador Cristóvão Buarque: "Antes de enriquecer o país, é preciso desempobrecer o seu povo" (um belo verbo, aliás, que já era usado pelo Padre Vieira). Despiorar, portanto, não pode ser tomado como um simples sinônimo de melhorar, mas como uma sutil indicação de que a trajetória que se aproximava do polo negativo (pior) foi interrompida e começa a reverter – sem entrar, ainda, na metade "positiva" do eixo semântico.