Sandra W., ex-aluna do curso de Letras, escreve diretamente de Manchester, Inglaterra, onde reside há mais de vinte anos: "Hoje sou praticamente britânica, professor; meu Português deve estar meio enferrujado, pois faz muito tempo que não vou ao Brasil e só falo Inglês com meu marido e com meus filhos. Por uma dessas coisas do destino, porém, terminei dando aulas de conversação para um vizinho muito próximo que vai morar em São Paulo por dois anos com toda a família. A gente se reúne nos sábados à tarde e eu o ajudo a entender melhor os artigos e recortes de imprensa que a filial paulista manda para ele por e-mail. Não tenho dificuldade alguma em explicar os textos, mas me sinto insegura quando ele faz perguntas específicas sobre a nossa língua. Na semana passada, ele trouxe um artigo que mostrava um líder ruralista sugerindo a realização de um buzinaço contra o tarifaço que, na época, ao que parece, era proposto pelo governo. Esclareci o sentido da frase, mas ele ficou assustado com a imprecisão desse sufixo -aço: como ele ia saber o seu significado em cada palavra? Isso acontecia também com outros sufixos? Para tranquilizá-lo, prometi recorrer a instâncias superiores – no caso, o senhor".
Prezada Sandra, agradeço tua confiança, mas não tenho superpoderes para tornar simples algo que é naturalmente complexo. Avisa teu amigo que ele deve ir se acostumando, pois essa é a vocação natural dos sufixos. Como são poucos (mais ou menos uma meia centena), terminam expressando vários significados diferentes, adquiridos ao longo da história do idioma. Podes começar mostrando que isso acontece em qualquer língua, inclusive no Inglês; um bom exemplo, para começar tua aula deste sábado, pode ser o sufixo -ist, que designa aquele que executa (harpist, pianist), o seguidor de uma ideologia (socialist, capitalist) ou o que demonstra preconceito (sexist, racist) – aliás, sem tirar nem pôr, exatamente como se comporta o nosso -ista aqui de casa.
Deste lado do Atlântico, um campeão de significados é o sufixo -eiro, que pode indicar, entre outras coisas, profissão ou ocupação (porteiro, carvoeiro), coletivo (pulgueiro, berreiro), árvore ou planta (cajueiro, coqueiro), lugar onde se guarda (açucareiro, tinteiro). Ora, com esse cacho de escolhas possíveis, é natural que surjam dúvidas de interpretação, sempre resolvidas pelo contexto. Na frase "A delegação nunca viaja sem seu roupeiro", está claro que se trata do profissional que cuida do fardamento dos atletas; já em "Ele nunca mais encontrou aquele chaveiro" precisamos de mais dados para saber do que o texto está falando.
Pois a mesma coisa ocorre com o sufixo -aço. Muitas vezes ele é aumentativo (bebaço, lindaço). Noutras, além de aumentativo, também assume um tom de crítica (ricaço, poetaço – "mau poeta") ou de admiração (louraça, morenaço). Nos últimos anos, passou também a indicar um conjunto de medidas governamentais, como em tarifaço ou pacotaço. No seu emprego mais comum, porém, indica "golpe dado com" – taquaraço, relhaço, pontaço, bolaço, lançaço, munhecaço, pataço, carteiraço – ao menos no sul do Brasil, talvez por influência do sufixo -azo de nossos vizinhos hispanofalantes. Deles também importamos o sentido de "protesto, manifestação ruidosa", como nos famosos cacerolazos, bogotazos e cordobazos, irmãos de nossos panelaços, buzinaços, apitaços, sinetaços, cuecaços (no Mensalão), beijaços (no dia do Orgulho Gay) e muitos outros que estão por vir.
Aproveito a ocasião para lembrar a todos os leitores que até o dia 31 de agosto próximo estarão abertas as inscrições ao concurso literário da Academia Rio-Grandense de Letras, que vai premiar poetas gaúchos e autores de ensaios sobre nossa literatura. Mais informações podem ser obtidas no próprio site da Academia.