É natural, prezado leitor, que você receba com desconfiança qualquer novidade linguística – entendida aqui como qualquer coisa que não faça parte dos hábitos consagrados de seu círculo de relações ou dos autores que lê. Em geral, porém, essa desconfiança dura pouco: como uma pedra lançada no lago, o surgimento de uma palavra recém-chegada ou de uma nova forma de dizer provoca uma perturbação momentânea na água, mas pouco a pouco os círculos vão ficando mais espaçados e a calma volta à superfície. Se você gostou da inovação, passa a usá-la alegremente; se não, basta ignorá-la. É pura escolha, e a soma das escolhas de cada um constitui exatamente aquilo que chamamos de estilo.
Mesmo que não sejam do meu agrado, não vejo razão para combater essas novidades, assim como o bom macaco não reclama quando seu galho favorito produz um novo rebento; afinal, elas apenas indicam que o repertório que a língua nos oferece acaba de ficar mais rico. Ninguém é obrigado a empregá-las, mas muita gente se sente ameaçada e vem cobrar desta coluna uma atitude mais enérgica "contra essas invenções". Escrevi, um dia, que o substantivo parente, embora classificado por muitas gramáticas como de um só gênero, admite também a variante parenta. Ah, para quê! Apareceu por aqui um tal de Dom Diego de la Vega (o Zorro em pessoa!), um indignado cidadão que me acusou de "adesista do povão", esperneou como se eu advogasse o uso compulsório daquele "A" final e ainda me lançou um desafio: "O senhor diz que aparece assim em muitos escritores; eu gostaria de saber quem teve a coragem de usar essa forma ridícula".
Eu bem sei, prezado Zorro, que os substantivos derivados do antigo particípio presente são considerados de gênero único (passante, vidente, assistente, etc.). Muitos deles, porém, tiveram a mesma sorte de outros substantivos terminados em "E", que eram uniformes mas, ao longo da história da língua, passaram a ser flexionados. Alguns já estão consagrados, como mestre:mestra ou monge:monja. Outros são aceitos por uns, mas rejeitados por muitos: chefa, presidenta (e mais não digo...), ajudanta, clienta (extremamente comum no Espanhol) e até comedianta, que o padre Vieira, o Imperador da Língua, não teve o menor pudor de empregar ("Se tivera tanta eloquência ou graça como uma comedianta"). É como uma roupa extravagante: usa quem quer...
E quanto ao parenta? Nosso leitor quer saber se algum escritor teve a coragem de usar essa forma ridícula? Ora, se ele ainda mantiver o quase esquecido hábito de frequentar os livros vai encontrar o termo no Cancioneiro de Resende e nas obras de Gil Vicente, João de Barros, Fernão Mendes Pinto, Francisco Manuel de Melo, Rodrigues Lobo, padre Vieira, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Machado de Assis, Joaquim de Macedo, Júlio Dinis, José de Alencar, Euclides da Cunha, Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Lobo Antunes, Saramago, Drummond, Graciliano Ramos e Nelson Rodrigues – entre muitos outros, neste pequeno trecho da eternidade que vai do descobrimento do Brasil até a eleição de Donald Trump. Chega, ou quer mais?