A leitora Jamili M., de Niterói, RJ, gostaria de saber de onde veio a palavra pigmento. Como teremos de voltar às origens, convido-a – e a todos vocês – a imaginar que, nesta viagem ao passado, estamos acompanhados da figura suprema da literatura infantil em nosso país, Monteiro Lobato, para com o qual todos nós, volens nolens (o que, em bom vernáculo, pode ser traduzido como "querendo ou não"), temos uma dívida eterna. (Isso aqui não é Facebook, mas aproveito para confessar que devo a ele o amor de uma vida toda pela mitologia grega). Dentro de seu programa de conectar os brasileirinhos à tradição cultural do Ocidente, usou os personagens do sítio do Pica-Pau Amarelo para nos guiar pelo mundo da História, da fábula, da mitologia, da literatura e – por que não? – da gramática, para o qual estamos agora nos dirigindo.
No Emília no País da Gramática, na praça da Analogia, a turma do sítio conversa com duas palavras homônimas, a pena (dó) e a pena de escrever, que se queixam do fato de ser iguais. O rinoceronte Quindim, ali perto, assiste à cena, pensativo. A genialíssima Emília, implicante-mor, resolve trazê-lo de volta à roda: "Acorda, boi sonso! Que nostalgia é essa?". A resposta de Quindim descreve, com a característica clareza lobatiana, o que estamos fazendo nesta coluna:
"Estou pensando em coisas passadas – respondeu o excelente paquiderme. – Estou pensando na velhice destas palavras. Vieram de muito longe, sofreram grandes mudanças e continuam a transformar-se... A maioria delas já morou na antiga Roma, dois mil anos atrás. Depois espalharam-se pelas terras conquistadas pelos romanos e misturaram-se às palavras que existiam nessas terras. E vieram vindo, e vieram vindo, até chegarem ao que hoje são". E acrescenta: "Esse estudo se chama Etimologia" – com o que as duas penas se apressam em informar que a Senhora Etimologia mora bem perto dali, e todos resolvem visitá-la.
Pois então, minha cara Jamili, o que a Senhora Etimologia – na saborosa descrição do autor, "uma velha coroca, de nariz recurvo e uma papeira – a papeira da sabedoria" – teria a nos dizer sobre pigmento? Ora, uma velhinha assim tão sábia conhece todas as famílias da aldeia; a vida dos pais, dos filhos, o destino de cada um, para onde foram e o que estão fazendo, nada é segredo para ela. Ao ouvir a tua pergunta, certamente nos mandaria para Roma, à casa do verbo pingere ("pintar, bordar com fios de cores diferentes, colorir"). Os filhos desse verbo, que, como irmãos, são parecidos mas não são iguais, criaram famílias próprias em nosso idioma. Um deles é o radical pint-, que aparece no verbo pintar e seus derivados, na pinta do rosto, no pintado que se pesca nos rios e no esquisito pinturesco (variante de pitoresco). Outro é o erudito pict-, que pode ser visto em pictórico e pictograma, entre outros cultismos de terno e gravata. Finalmente, no próprio Latim nasceu pigmentum "corante, tinta", que chegou até nós como o teu pigmento. Quando levantamos para sair, a dona Etimologia abre o bauzinho de surpresas e nos dá, de inhapa, uma informação preciosa: pigmento tem uma filha muito popular, a pimenta, que recebeu esse nome (outrora, "pigmenta") porque era usada como um colorífico na culinária do Renascimento. E com essa nos despedimos, soltando foguetes e dando vivas à velha senhora e vivas a Monteiro Lobato!
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Cláudio Moreno
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