A comemorada escolha de nossa Cíntia Moscovich para patrona da Feira do Livro fez com que vários leitores duvidassem da legitimidade deste feminino. Uns acham que o correto seria patronesse; outros (e estavam falando sério) sugeriram matrona – sem esquecer a alma pia que aconselhou que usássemos padroeira. Para quem busca, como nós, o prazer das palavras, posso assegurar que essas questões de gênero produzem os frutos mais coloridos e saborosos do pomar de nossa língua.
Acho natural que muitos estranhem patrona. Isso vai acontecer sempre que virmos no feminino um vocábulo que estávamos acostumados a ver exclusivamente no masculino (ou vice-versa). Esta situação é cada vez mais frequente no século em que vivemos, dado o ingresso da mulher em toda e qualquer área da atividade humana. É, por exemplo, o caso dos toureiros, que deixou de ser uma profissão restrita a machos alfa, corajosos e malvados; deu no jornal, algumas semanas atrás, que a toureira espanhola Conchi Rios, aclamada por sua torcida com o carinhoso epíteto de "la matadora", levou uma chifrada de um touro despido de qualquer cavalheirismo. Nada mais simples: se a realidade muda, a língua muda – e não o inverso, como acreditam ingenuamente os fiéis da igreja do politicamente correto.
Outro exemplo moderníssimo é marida. Embora o feminino de marido continue a ser mulher (ao menos por enquanto), surgiu uma realidade nova que fez girarem os mecanismos do idioma: vários prestadores de serviços que se oferecem para fazer pequenos reparos domésticos agora se intitulam, jocosa ou realisticamente, de maridos de aluguel. Pois não demorou muito para surgirem as maridas de aluguel – isto é, mulheres que se dedicam à mesma atividade, bem diversa daquela que as mulheres de aluguel vêm oferecendo desde que o mundo é mundo. Assim também aconteceu com galo; no seu sentido tradicional, o feminino é galinha, mas não no sentido popular de "valente, corajoso". Numa fila de banco, vi uma senhora perder a paciência (quem nunca?) e espinafrar o segurança, o caixa, o gerente, o dono do banco e o Ministro da Fazenda. Atrás de mim, uma voz comentou, admirada: "Mas essa aí é gala!"... Perfeito, pensei; coisa boa é colher assim uma fruta no pé...
No caso da Feira do Livro, não temos dúvida alguma quanto à designação mais adequada. Patronesse não serve; vem do Fr. patronnesse (por sua vez do Ing. patroness), que era, inicialmente, a mulher que protegia e financiava artistas e escritores, uma espécie de mecenas feminino, passando depois a ser usado, tanto lá como aqui, para designar exclusivamente as senhoras da sociedade que organizam e patrocinam obras benemerentes. Padroeira muito menos, pois só se usa no âmbito religioso – e entre as inúmeras virtudes da Feira não está, a meu ver, a santidade. O termo indicado é patrona – o que é, cá entre nós, um emprego nem tão novo assim, já registrado em nossos primeiros dicionários no séc 18. Nossa Cíntia Moscovich vai ser patrona mesmo – e das boas!