Quando, nos bons tempos de colégio, recitávamos o "Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá", dávamos pouca ou nenhuma atenção à epígrafe do poema, tirada do Wilhelm Meister, numa passagem em que Goethe se refere à Sicília: "Você conhece a terra onde o limão floresce?" (Gonçalves Dias cita o texto no original alemão, mas eu não me atrevo a tanto). Pois saiba, estimado leitor, que é exatamente nesta ilha dourada que escrevo estas linhas, diante de uma janela que se abre para o Vale dos Templos, em Agrigento.
Não vou exagerar se disser que estou fascinado por esta jornada de 10 dias pela mitologia e literatura da Magna Grécia, pois há marcas, por toda parte, da passagem ou da presença de Hércules, Ulisses, Dédalo, Deméter, Perséfone e quase todos os deuses do Olimpo. Não posso esquecer, porém, que sou um súdito fiel das palavras, amas e senhoras a quem sirvo alegremente – aliás, a razão de ser desta coluna – e, por isso mesmo, leitor, ofereço-lhe dois exemplares colhidos por aqui – um em Palermo, outro em Siracusa.
O primeiro é xibolete (eu gosto mesmo é de xibolê, mas infelizmente os dicionários não concordam comigo). A palavra designa aqueles sons que só os falantes nativos de uma língua são capazes de distinguir e, por isso mesmo, de reproduzir – um exemplo bem nosso é o ditongo ão, que dificilmente será bem pronunciado por um estrangeiro (sobre a origem do termo, podem ler o que escrevi nesta coluna). Há vários exemplos conhecidos desse uso hostil da linguagem para diferenciar grupos humanos. Pois em Palermo, no séc. 13, no massacre das Vésperas Sicilianas, em que milhares de franceses perderam a vida, os revoltosos escolheram ciciri como xibolete, palavra do dialeto local para designar o grão-de-bico; um erro na pronúncia era sentença de morte.
O segundo é heureca, exclamação quase universal para celebrar uma descoberta trabalhosa, tornada célebre por Arquimedes, o famoso sábio de Siracusa. Conta a lenda que o rei Hieron havia dado a seu ourives certa quantidade de ouro para que ele fundisse uma coroa. Desconfiado de que o artífice tivesse substituído parte do ouro por prata, metal bem menos valioso, o rei encarregou Arquimedes de descobrir a verdade. Não sabemos por quanto tempo ele se concentrou no problema, mas conta Vitrúvio que a resposta lhe veio, inopinadamente, durante o banho: ao se dar conta de que seu corpo fazia subir o nível da água da banheira, teria formulado o princípio do deslocamento de um líquido com relação ao corpo nela mergulhado – o que lhe permitiu entender, finalmente, o princípio da flutuação dos navios e, é claro, solucionar o problema da coroa (o desfecho, infelizmente, é desconhecido).
Entusiamado com a descoberta, o sábio teria saído aos pulos da tina do banho, aos brados. Se falasse Português, teria dito "Achei! Achei!", ou quiçá "Bingo!", ou, mais popular ainda, "Feito! Feito!". No entanto, como falava Grego clássico, gritou "Heureca, heureca!" – que é a 1ª pessoa do singular do pretérito do verbo heurisko (em Grego, "achar, descobrir"). Ah, outra coisa: heureca, para quem não lembra, tem dois filhotes em nosso idioma, ambos com o mesmo H inicial da mãe: heurística e heurista.
Daqui a pouco, amigo leitor, sairemos para visitar o Etna, sob o qual Hefesto instalou as suas forjas – e espero não ter o mesmo fim espetacular do nosso Silva Jardim, que caiu dentro da cratera do Vesúvio, o único vulcão que se orgulha de ter engolido um brasileiro.