No dia 20 de janeiro, uma sexta-feira, a plataforma Sumaúma – Jornalismo do Centro do Mundo (sumauma.com), criada há apenas quatro meses e especializada na cobertura da Amazônia, publicou uma reportagem com uma cifra macabra: nos últimos quatro anos, pelo menos 570 crianças com menos de cinco anos haviam morrido por causas evitáveis no território Yanomami – região com cerca de 30 mil habitantes localizada entre Roraima e o Amazonas. O número representa um aumento de 29% em relação aos quatro anos anteriores. Ou seja: o que já era ruim havia atingido o ponto do colapso. As fotos de crianças subnutridas que ilustram a reportagem, enviadas para a redação da Sumaúma por profissionais de saúde e pelos próprios yanomamis, correram o mundo. Naquela mesma sexta-feira, o Ministério da Saúde decretou emergência de saúde pública. No sábado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma visita a Boa Vista. O assunto explodiu nas redes sociais nas horas seguintes e chegou à capa dos grandes jornais nacionais, com foto, na segunda-feira.
A reportagem que pode ter precipitado a comoção pública dos últimos dias começou a ser produzida em setembro. Através da Lei de Acesso à Informação, a repórter Talita Bedinelli levantou dados alarmantes: com a presença cada vez mais ostensiva de garimpeiros na região, os casos de malária haviam saltado de 2.928, em 2014, para 20.934, em 2021. Além da malária e da desnutrição, polos de saúde estavam sendo fechados por conta das ações dos garimpeiros. Depois de checar com fontes locais as informações que tinha em mãos, a repórter procurou o novo governo no dia 6 de janeiro. Ao tabular as informações de 2022 enviadas pelo Ministério da Saúde, chegou ao número de 570 crianças mortas no período do governo anterior.
Jair Bolsonaro, que sempre se disse “garimpeiro de coração”, honrou seu ofício de predileção ao extrair o máximo possível do cargo que ocupou sem se preocupar com os estragos e as eventuais vítimas que deixou pelo caminho. Para esse tipo de mentalidade predatória, índio bom é índio morto. Nada mais coerente. O que todas as redações do país deveriam estar se perguntando neste momento é o que jornalistas e grandes veículos de imprensa poderiam ter feito para que a reação de indignação da sociedade civil tivesse vindo antes que um velho problema do Brasil invisível tomasse a forma de uma vergonha nacional: o massacre de crianças.
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