O gênero “true crime” (crime real) tornou-se um fenômeno de popularidade nos últimos tempos. No Brasil, histórias como a do menino Evandro (que fez sucesso como podcast e depois como documentário na Globoplay) e os casos envolvendo Elize Matsunaga (Netflix) e Suzane Richthofen (Amazon Prime) são alguns exemplos recentes. Como qualquer tipo de entretenimento, o “true crime” comporta tanto o excelente (como o podcast Praia dos Ossos, sobre o assassinato de Ângela Diniz) quanto o medíocre. A matéria-prima, infelizmente, é abundante. Pelo menos no gênero policial, pode-se dizer com tranquilidade que a vida real anda superando a ficção.
Nesse tipo de história, assassinos confessos, suspeitos, testemunhas, familiares, advogados e investigadores, cada um com sua própria versão dos acontecimentos, disputam a atenção e o coração do espectador – que, por sua vez, é colocado na posição de detetive, jurado e juiz conforme a história vai se desenrolando.
O fascínio por crimes espetaculares obviamente não é novo. O que mudou foi a dimensão do interesse por histórias reais e a explosão de títulos à disposição. Se o caso for particularmente rumoroso – pelas reviravoltas na investigação, pelo perfil das vítimas e do criminoso ou pela forma como a Justiça se fez (ou deixou de ser feita) – é possível que um mesmo crime seja explorado em diferentes formatos e plataformas: séries, documentários, livros, filmes, podcasts...
Esse é o caso de The Staircase (A Escada), título de uma série documental francesa em cartaz na Netflix, de uma minissérie dramática que estreou em maio na HBO (com direção de Antônio Campos, filho do jornalista Lucas Mendes) e de um podcast. O crime é o mesmo, mas as abordagens são diferentes. Na série francesa, lançada em 2004, uma equipe de televisão acompanha em tempo real as investigações sobre a morte da executiva Kathleen Peterson, encontrada agonizando ao pé de uma escadaria (daí o título da série) em 9 de dezembro de 2001. O marido, Michael Peterson, um escritor com pretensões políticas e caráter ambíguo, tornou-se imediatamente o principal suspeito e o personagem central da trama. Na série dramática americana, além do esforço de Peterson (vivido por Colin Firth) para provar que é inocente, acompanhamos a forma como advogados, promotores e mesmo a própria equipe que produziu o documentário de 2004 montam narrativas convincentes – mas não necessariamente verdadeiras.
Em tempos de pós-verdade, quando fatos e versões parecem se equivaler e é difícil saber em quem acreditar, não espanta que os “true crimes” façam tanto sucesso.