O mundo enfrenta pelo menos duas pragas simultâneas em 2020. Para uma delas, a pandemia, há uma vacina a caminho. Não sabemos quanto estrago o coronavírus vai causar até lá, quantas mortes, quantos colapsos econômicos, quantos transtornos na rotina e nas relações humanas, mas a vacina vai chegar, mais cedo ou mais tarde, graças ao trabalho colaborativo incansável de cientistas sérios espalhados pelo mundo inteiro. (Humanos cooperando para salvar a espécie: esse sempre foi o nosso maior talento e a nossa melhor chance de sobrevivência neste planeta tantas vezes inóspito e temperamental.)
A outra praga, a infodemia, é mais insidiosa. Não há vacina para a mentira e provavelmente nunca haverá. As fake news são mais parecidas com um câncer do que com uma gripe: é difícil saber quando e onde começam, um tumor nunca é igual ao outro e ainda estamos muito longe de qualquer cura ou vacina. A boa notícia é que as plataformas digitais lentamente estão começando a agir como deveriam, bloqueando informações falsas, mas o exército inimigo é vasto e conta com o apoio de uma milícia virtual de robôs que se multiplicam ainda mais avidamente do que o vírus.
No Brasil, a batalha contra a desinformação é liderada por serviços de checagem como Comprova (projetocomprova.com.br), Lupa(piaui.folha.uol.com.br/lupa), Aos Fatos (aosfatos.org), Estadão Verifica (politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica) e Boatos.org. Apenas o Projeto Comprova, uma iniciativa sem fins lucrativos, reúne jornalistas de 24 diferentes veículos de comunicação. O trabalho desses checadores é investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre coronavírus compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Se os profissionais de saúde são a linha de frente no combate à pandemia, os serviços de checagem de informação são seu apoio remoto. Quando uma mentira tem o poder de superlotar hospitais, ir atrás da verdade é uma forma de proteger um pouco todos aqueles que estão arriscando suas vidas para salvar as nossas.
Infelizmente, não são apenas as milícias digitais anônimas que distorcem dados, interpretam gráficos aleatoriamente e propagam a desinformação. Neste momento, é preciso refletir muito bem sobre a forma como devem ser tratadas as fontes que espalham mentiras e fatos distorcidos diante das câmeras e dos microfones – principalmente quando ocupam um cargo público importante e estão acostumadas a usar a arrogância bacharelesca como recurso retórico. Como reza uma velha máxima da nossa profissão, se uma pessoa diz que está chovendo e a outra que faz sol, o trabalho do jornalista não é citar os dois, mas olhar pela janela e relatar o que está vendo.
Terraplanistas com diploma e títulos de doutor devem se acostumar a serem desautorizados ao vivo e sem piedade.
Até que o vírus, ou eles, nos deixem em paz.
De preferência, os dois.