Como qualquer leitor de tragédias gregas, o ex-secretário de Cultura Roberto Alvim deve estar familiarizado com o conceito de "hybris", a desmedida que provoca a ruína dos heróis trágicos. Diretor de teatro consagrado até há bem pouco tempo, Alvim cavou seu espaço no primeiro escalão daquilo que resta de Cultura no governo Bolsonaro com diligência e estômago notáveis. Acendeu velas para todos os santos, pediu a bênção de Olavo de Carvalho, ofendeu Fernanda Montenegro, renegou o passado. Acabou sendo derrubado não pelos ex-amigos ou pelos novos aliados, mas pela própria hybris.
No lançamento do Prêmio Nacional das Artes, quinta-feira à noite, o diretor não resistiu à tentação de fazer o que sabe (ou sabia): teatro. No vídeo que incendiou as redes sociais e culminou com a demissão do secretário poucas horas depois, há dramaturgia (performática), roteiro (Alvim-goebbeliano), música (Wagner, o favorito dos nazistas), retórica (ufanista) e um ator canastrão - ele mesmo - caracterizado como fascista de Zorra Total: cabelo lambido, olhar paranoico, sobrancelhas inquietas. Por vaidade, delírio ou uma combinação de ambos, Alvim não se limitou ao visual "raideriano" (não confundir o chinelo brasileiro com o filósofo alemão, por sinal nazista, Martin Heidegger) do seu líder supremo. Alvim queria causar - como se estivesse no palco ou (delírio, delírio...) quisesse entrar para a História como esteta e salvador da cultura nacional. Mirou em Leni Riefenstahl e acertou no pé. Foi atropelado pelas redes sociais e pelo próprio "mestre" Olavo de Carvalho, um dos primeiros a detectar o risco de manter um Napoleão de hospício no governo. (Como se fosse o único…).
Com a demissão de Alvim, resta sobre a mesa de alguém no Planalto o infame Prêmio Nacional das Artes, que oferece R$ 20 milhões para artistas de todo o Brasil que considerarem moralmente aceitável compactuar com um edital que já nasce marcado por todos os equívocos do governo Bolsonaro na área de cultura. Graças à História e ao bom senso, todos sabemos muito bem o que acontece quando um governo (de esquerda ou de direita, convém lembrar) decide financiar arte desde que ela seja "heroica", "nacionalista" e baseada "nos mitos fundantes" da nação.
É pouco provável que Bolsonaro tenha qualquer interesse em dar uma espiada em editais de incentivo à cultura, do seu ou de qualquer outro governo, ou que tenha alguma noção do que sejam "mitos fundantes". Mas seria bom lembrar ao presidente que, com o edital desse jeito, seu governo corre o sério risco de acabar patrocinando uma ópera sobre …índios. Não ia ser divertido?