Há derrotas e derrotas. Na primeira vez em que participei de uma manifestação de rua, em 13 de abril de 1984, tinha apenas 17 anos e a certeza de que as eleições diretas seriam aprovadas no Congresso antes do final daquele mês. Estava no primeiro ano da faculdade, não sabia quase nada sobre política e menos ainda sobre a vida, mas estava convencida de que a voz dos milhões de brasileiros que coloriram as ruas de amarelo pedindo o fim da ditadura militar não seria calada. Não poderia ser calada.
A derrota da emenda das Diretas Já, alguns dias depois, foi um golpe duro na minha ingenuidade e uma lição sobre a forma como a política dos gabinetes funciona. Chorei vendo o resultado da votação no Jornal Nacional, de raiva e de frustração, mas também por não entender que aquilo tudo não havia sido exatamente uma derrota, mas apenas um adiamento. A ditadura militar já estava liquidada, e a derrota no Congresso não era um grito de vitória, mas apenas o último suspiro de um moribundo.
Nesta quinta-feira (9), acordei com a notícia de que o Senado da Argentina havia derrubado o projeto de lei que descriminalizava a interrupção da gravidez. Por uma diferença de apenas sete votos, os senadores argentinos decidiram manter na ilegalidade os cerca de 500 mil abortos realizados todos os anos no país - com lei ou sem lei. Mulheres argentinas que abortam, principalmente as mais pobres, vão continuar sendo penalizadas, com exceção dos casos em que há perigo para a vida da mulher, impossibilidade de sobrevivência fora do útero e estupro. (O primeiro e o terceiro item, aliás, deixam claro que há, sim, valores morais que se sobrepõem às circunstâncias meramente biológicas de uma gravidez, mas deixa para lá.)
Como naquele mês de abril de 1984, fiquei triste e com raiva com o resultado da votação no Congresso argentino, mas, sabendo agora um pouco mais sobre política e sobre a vida do que há 30 anos, suspeito que a derrota na Argentina está longe de ser definitiva. A onda verde que se espalhou pelas ruas e pelas redes sociais nas últimas semanas mostrou que não será tão fácil continuar mantendo o assunto sob um manto de silêncio e hipocrisia. As mulheres argentinas, por sua vez, não vão se desmobilizar e devem continuar servindo de inspiração para movimentos semelhantes em toda a América Latina.
O fato é que nenhuma conquista das mulheres tem sido fácil nos últimos cem anos. Nem o voto, nem o direito de frequentar uma universidade, muito menos o direito de decidir sobre o próprio corpo. A jornalista Luciana Peker batizou o movimento dos lenços verdes de "a revolução das filhas", destacando a ruptura não apenas de gênero, mas geracional das manifestantes em relação à classe política argentina: "As jovens abortam, mas não votam; os senadores votam, mas não abortam".
Mas não será sempre assim. Essas meninas vão crescer, e outras virão se juntar a elas. Os lenços verdes não serão guardados na gaveta - nem na Argentina, nem no Brasil. Existe uma mudança cultural em curso, e sabemos agora que ela pode estar a apenas sete votos de distância das argentinas. Não foi realmente uma derrota. O futuro, senhores, já é das meninas.