Foi uma vitória das redes sociais e da indignação coletiva sobre a política convencional. Uma vitória tímida em uma guerra muito maior e mais complexa, que infelizmente está muito longe do fim, mas ainda assim uma vitória. Nem mesmo os ouvidos moucos de Donald Trump foram capazes de ignorar os áudios de bebês chorando, as imagens de meninos e meninas atrás das grades, o desespero de pais e mães – e as comparações inevitáveis dessas imagens com a iconografia produzida, por exemplo, pelos campos de concentração.
Na quarta-feira (20), quando finalmente anunciou que iria assinar um decreto para impedir que pais e filhos fossem separados na fronteira com o México, Trump cedeu (ou pareceu ceder) a uma onda de indignação que só tomou a dimensão de escândalo global porque grandes veículos de comunicação e as redes sociais conseguiram dar rosto e voz às crianças que estavam sendo separadas dos seus pais. Durma-se com o barulho de uma criança chamando pela mãe, em desespero, ou com a imagem de bebês sendo encaminhados para "abrigos para tenra idade". Podemos apenas imaginar quanto tempo Trump teria levado para tomar a decisão de recuar alguns centímetros em sua política de "tolerância zero" não houvesse sido pressionado pelo horror compartilhado em microdoses por usuários de redes sociais de todo o mundo.
A indignação alcançou os próprios eleitores de Trump, muitos deles ligados a grupos religiosos, a quem o procurador-geral Jeff Sessions tentou agradar usando a Bíblia como justificativa para a brutalidade psicológica que estava sendo perpetrada: "Eu citaria o apóstolo Paulo e seu sábio mandamento, em Romanos 13, para que todos obedecessem as leis do governo, porque Deus as ditou para que houvesse ordem". Não deu certo.
O decreto da quarta-feira (20) deve impedir que o horror torne-se ainda pior, mas cerca de 2,3 mil crianças foram separadas da família apenas entre 5 de maio e 9 de junho, segundo números do governo americano. Muitas delas nunca mais irão rever seus pais. Algumas não falam espanhol, mas línguas indígenas, o que torna mais difícil a comunicação com os responsáveis pelos abrigos. Há bebês que devem ser colocados para adoção, porque não há mais como localizar seus pais. Ou seja: esse decreto tardio, arrancado a contragosto do presidente, não acaba com o sofrimento dessas crianças. Choro e ranger de dentes continuarão sendo ouvidos, mas nem sempre serão registrados por smartphones.
O errático governo Trump não deixa de oferecer uma lição para eleitores de todo o mundo – no mau sentido, evidentemente. Trump nos ensina que personagens já fanfarrões durante a campanha tendem a se tornar muito piores e mais perigosos quando assumem o poder. Uma coisa é ter um presidente ruim, venal, fraco. Outra, muito pior, é ter no governo um político não apenas medíocre, mas imprevisível, porque sua única plataforma é o próprio ego. E sua única ideologia, a retórica.