Ser ingênuo é um problema, mas não confiar em ninguém pode ser exaustivo – e eventualmente até delirante. Conheci um jornalista que construiu boa parte da sua reputação em redações explorando uma tendência natural para a paranoia. Onde eu via flores e grama verdinha, ele via mentiras, conspirações, tramas secretas. Por um lado, admirava sua habilidade para investigar histórias mal-contadas. Por outro, ficava aliviada por ter sido abençoada por uma certa inclinação para ver o lado bom das coisas. Entre o risco de não perceber uma ameaça iminente e um estado de alerta e sobressalto constante, prefiro (e me inclino para) as flores e a grama verdinha.
Às vezes, intuir intenções ocultas e subtexto em tudo, o tempo todo, pode induzir a distorções da realidade tão graves quanto aquelas causadas pelo excesso de credulidade. Foi o que aconteceu com esse meu amigo a certa altura de uma carreira jornalística até então bem-sucedida. Sua intuição foi dando lugar a delírios cada vez mais dissociados dos fatos, até o ponto em que seu saudável ceticismo evoluiu para a paranoia – afetando não apenas seu trabalho, mas outros aspectos da sua vida pessoal. Desconfiava de tudo, menos da própria desconfiança.
A tendência a não confiar em nada tornou-se uma doença, ou melhor, uma epidemia global. É o que aponta um levantamento divulgado recentemente pela empresa de marketing americana Edelman, que há alguns anos vem pesquisando os níveis de confiança da população em governos, empresas, organizações não governamentais e veículos de mídia de diferentes países. (Batizada de “o barômetro da confiança”, a pesquisa está disponível no site edelman.com.)
Que a confiança no governo desabou nos últimos meses, quase em igual medida, no Brasil e nos Estados Unidos, por motivos óbvios, não chega a ser uma surpresa, mas o que a pesquisa aponta é uma crise muito mais profunda e disseminada, e não necessariamente ligada a circunstâncias econômicas e políticas desfavoráveis. São tantas as vozes se manifestando e tão escassos os valores básicos comuns e a disponibilidade para o diálogo, que as pessoas não conseguem mais discernir o que é ou não verdade. Na dúvida, desconfiam de tudo – menos da bolha em que escolhem depositar todas as fichas da sua credulidade.
Uma pesquisa semelhante, conduzida pela Rand Corporation (rand.org) e batizada de “a decadência da verdade”, chegou às mesmas conclusões e apontou como causas dessa descrença generalizada o avanço das redes sociais, as mudanças na forma como as pessoas se informam, a dificuldade das escolas para preparar cidadãos para esse novo ecossistema da informação e a polarização política e social.
A falta de confiança em instituições que costumavam mediar o debate público explica essa sensação de que todo mundo está falando ao mesmo tempo, mas ninguém mais ouve ninguém. A má notícia é que, em meio ao caos e à incerteza, soluções simplórias costumam parecer mais atraentes do que a boa e complexa democracia.