Perdi as contas de quantas vezes assisti a Blade Runner nos últimos 35 anos. É verdade que alguém precisou me convencer de que um filme intitulado O Caçador de Androides merecia minha atenção – poucas coisas me interessavam menos, lá na adolescência como agora, do que caçadores, androides e ficção científica.
Quando finalmente fui ao Baltimore conferir, foi amor à primeira sessão. Tudo no filme era moderno, mas não apenas no sentido futurista do termo. Em uma época em que a informação viajava lentamente – e às vezes nem sequer saía de casa –, o presente não chegava ao mesmo tempo em todos os cantos do planeta. Blade Runner era a prefiguração de um futuro que por aqui era ainda mais remoto do que em Los Angeles, onde se passa a história, Tóquio ou Nova York. Já os letreiros de neon, o visual retrô e os solos de sax eram apenas um presente que ainda estava a caminho. O filme foi o trailer de uma década que, como nostalgia, recusou-se a morrer na data programada. Como um replicante.
Fui assistir a Blade Runner 2049 sem muita expectativa, imaginando se ainda estaríamos por aí – eu e a espécie – na data escolhida para o salto no tempo da história (o primeiro filme se passa em 2019). Saí do cinema com a impressão de que o longuíssimo longa de Denis Villeneuve funciona mais como homenagem do que como obra independente. Estão lá todas as referências ao original que satisfazem a devoção de fãs – não tão óbvias que pareçam mera repetição, nem tão remotas que sejam difíceis de identificar. O futuro, porém, ficou menos futurista. Nada nos espanta mais – nem carros que voam, nem cidades irrespiráveis, nem qualquer outro bem ou mal decorrente da tecnologia.
Se existe algo único neste Blade Runner 2049, além da suntuosidade visual que seria impossível em 1982, é exatamente a capacidade de refletir a forma como nós, século 21 adentro, imaginamos o futuro das relações humanas – mesmo que alguns dos humanos no filme sejam fabricados. Se no primeiro Blade Runner o herói se apaixonava por uma replicante porque ela se parecia demais com uma mulher de verdade, no novo filme o protagonista se relaciona com uma namorada holográfica, que não existe nem sequer como robô de carne e osso manufaturados. Se o futuro um dia foi vórtex, hoje ele não passa de um melancólico monólogo.