A pergunta está no enigmático episódio final da terceira temporada de Twin Peaks: "Isso é o passado ou é o futuro?", mas poderia ser o slogan de outra série americana de sucesso, Handmaid’s Tale, uma das grandes vencedoras do Emmy no último dia 17.
Nessa história baseada em um romance distópico da escritora canadense Margaret Atwood, O Conto da Aia (1985), o futuro é muito parecido com o passado – só que pior. Depois de uma contrarrevolução, as mulheres perderam a liberdade e todos os outros direitos adquiridos no século 20, voltando a ser os cidadãos de segunda categoria que eram até bem pouco tempo atrás.
Se você vive em um país governado por um sujeito capaz de usar uma reunião da ONU para lançar ameaças de "destruição total" a outra nação, a sensação de que a roda da História não apenas empacou, mas embalou para trás pode ser bastante concreta. No Brasil, nos últimos tempos, essa desconfortável vertigem de anacronismo talvez seja ainda aguda – com discursos em defesa da censura e do fanatismo religioso tomando conta do espaço público e a ideia de intervenção militar voltando a parecer razoável para determinados segmentos.
O descompasso entre as forças de transformação de costumes e a reação contrária, nostálgica, que celebra a tradição como um valor em si e desconfia de tudo aquilo que é novo e disruptivo, sempre existiu. A escravidão já era infame na Europa havia décadas quando o Brasil finalmente decretou a abolição. A Alemanha está prestes a eleger uma mulher para o quarto mandato como chanceler, enquanto na Arábia Saudita elas ainda não podem sequer dirigir o próprio carro. Mesmo assim, para quem nasceu depois da II Guerra Mundial e se beneficiou de toda a liberação de costumes dos anos 1960, havia a sensação, talvez ingênua, de que direitos individuais já conquistados estavam de alguma forma garantidos. Em 2017, a única circunstância garantida é a da instabilidade.
Um livro que saiu nos EUA no ano passado e vai virar filme em 2018 (com Nicole Kidman e Russel Crowe) mostra como esse descompasso pode ser profundo em uma sociedade moderna que convive com bolsões de fundamentalismo. O americano Garrard Conley tinha 19 anos, em 2004, quando aceitou ser enviado para um centro especializado em "redesignação sexual". Criado em uma família extremamente religiosa, Conley acreditava que lutar contra o próprio desejo era a única forma de manter o amor e o respeito dos pais. Boy Erased (algo como "garoto apagado") é o relato do tratamento cruel e obviamente ineficaz a que o garoto foi submetido, uma "terapia" que incluía lavagem cerebral, violência psicológica e muitos remédios. A mãe de Garrard só entendeu o mal que estava causando ao próprio filho quando percebeu que ele estava prestes a entrar para as estatísticas de suicídio juvenil.
O movimento "ex-gay" nos Estados Unidos, não por acaso, ganhou força em 1973, ano em que a Associação de Psicologia Americana tirou a classificação de doença mental da homossexualidade. Clínicas que oferecem esse tipo de tratamento, religiosas ou não, continuam existindo no mundo inteiro, inclusive no Brasil, à revelia de tudo o que a ciência vem dizendo há mais de 40 anos.
Desacreditar a ciência, aliás, é a primeira atitude de quem conspira para que o futuro seja cada vez mais parecido com tudo aquilo que já deveríamos ter deixado para trás.