Houve o 11 de setembro chileno, aquele do bombardeio do Palacio de la Moneda e do golpe militar contra o presidente eleito Salvador Allende – marco inicial de uma ditadura que deixou um saldo de mais de 40 mil mortos.
Depois veio o 11 de setembro americano, espécie de trailer macabro de todas as questões arcaicas que continuariam vivas em pleno século da globalização e da tecnologia: tribalismo, choque de culturas, fanatismo religioso e o permanente instinto de aniquilação do contraditório que nossa espécie, a duras penas, vem tentando controlar desde o princípio dos tempos.
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É preocupante um museu fechar as portas diante de reações adversas
Na última semana, ganhamos nossa pequena plaquinha nessa galeria de infâmias do 11 de setembro – na categoria "desastre moral". Foi nesse dia que Porto Alegre virou notícia mundial por conta de uma exposição de arte cancelada, à sorrelfa, na véspera – depois de uma sequência de gestos de intimidação, ao vivo e na internet, e uma avalanche de fake news espalhadas nas redes sociais por militantes de aluguel tão interessados em arte ou debate de ideias quanto eu em futebol.
Como naquelas imagens de uma Nova York coberta de pó e escombros, Porto Alegre passou a última semana envolta em uma cortina de fumaça tóxica. Cidadãos de boa vontade, contra e a favor da exposição, discutiram acaloradamente temas como os limites da arte e da liberdade de expressão, leis de incentivo, classificação etária e o significado de símbolos religiosos tirados de contexto. Nada de novo no front. Essas são discussões antigas, mas legítimas, porque é da natureza da arte provocar, assim como é da natureza do público leigo reclamar quando não gosta ou não entende.
O problema com o fechamento da exposição Queermuseu é que a origem da polêmica tem pouco ou nada a ver com o natural estranhamento que a arte contemporânea costuma provocar. O paciente zero dessa epidemia de indignação fabricada não foi uma senhora carola nascida no tempo do telégrafo, mas moças e rapazes cevados a Google e Snapchat, armados para o combate ideológico com ferramentas de marketing digital e com pouco ou nenhum interesse em arte, religião ou bons costumes – a não ser, claro, como matéria-prima de manipulação.
E o que é pior: com um projeto de poder autoritário muito articulado como ideal.
Essa gurizada, que não teve paciência para ler até o fim os manuais sobre liberalismo, com certeza prestou atenção na habilidade de Donald Trump para produzir factoides esdrúxulos (zoofilia? pedofilia? blasfêmia?) para manipular a opinião pública e chamar a atenção. Culpar os artistas pelo fechamento da exposição é como culpar os engenheiros pela queda das Torres Gêmeas.
O trágico de toda essa história é que aqueles que ficaram legitimamente chocados com obras que nunca viram e crimes que não existem não são muito diferentes de todos que compartilham notícias sem ler ou verificar a procedência, julgam fatos que não conhecem, lincham virtualmente pessoas que não podem se defender e se indignam, seletivamente, conforme o perfil ideológico. Somos todos vitimas e algozes da pressa e da superficialidade, prontos a julgar e condenar sem exigir provas ou evidências. Deu nisso.
Quando o Santander Cultural foi inaugurado, poucos dias antes do 11 de setembro de 2001, Porto Alegre era uma cidade orgulhosa do passado e confiante no futuro. Em 2017, o fechamento sem debate da exposição no mesmo e moralmente apequenado centro cultural tornou-se o símbolo do nosso encolhimento – não apenas econômico, político e cultural, mas simbólico.
Nosso 11 de setembro, na verdade, foi uma implosão.