Brenda McCool, 49 anos, gostava de sair para dançar salsa com um dos seus 12 filhos nos sábados à noite. Mães não costumam ser a melhor companhia para baladas noturnas, o que nos leva a imaginar que Brenda era uma representante muito especial da categoria. Talvez dançasse tão bem, que seu filho sentisse orgulho de exibi-la aos amigos e aos paqueras em potencial. Talvez o rapaz apenas ficasse contente de ver a mãe, ainda jovem, se divertindo e aproveitando a vida – ela havia sobrevivido a dois cânceres nos últimos anos – mesmo que isso significasse conformar-se a um sábado à noite com cara de festa em família.
Algumas pessoas reagem às dificuldades fermentando a frustração e os próprios demônios até que eles se derramem de forma violenta sobre quem está em volta. Outras dançam salsa. Brenda pertencia obviamente à segunda categoria. Mãe solteira, craque na batalha diária para manter uma família grande sem muita grana, apoiadora da causa LGBT porque um dos filhos, Isaiah, que estava com ela na boate Pulse, é gay, Brenda era definida pelos amigos como uma guerreira por destino e temperamento. No último sábado, a guerreira se ergueu para defender o filho. Segundo testemunhas que assistiram ao massacre de Orlando, Brenda protegeu o rapaz com o próprio corpo quando viu que o atirador apontava a arma para eles. Isaiah, 21 anos, sobreviveu. Brenda foi seu escudo.
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Sheila Cristina da Silva, 46 anos, é catadora de lixo e mora no morro do Querosene, no Rio. Saiu de casa, na última sexta-feira, para comprar três batatas, uma cenoura e um pão para fazer uma sopa para o filho mais novo, que estava doente. Na volta, começou a ouvir a gritaria.
Os vizinhos vinham avisar que um dos seus 14 filhos havia levado um tiro. Na porta de casa, encontrou Carlos Eduardo, 20 anos, coberto por um lençol em meio a uma poça de sangue. Trespassada pela dor, ela cobriu o próprio rosto com o sangue do filho.
A imagem de um rosto em que lágrimas e sangue se misturam foi registrada pelo fotógrafo Pablo Jacob, da Agência O Globo (acima). A foto deu destaque a uma tragédia que se tornou tão corriqueira, que raramente chama a atenção: jovens negros e pobres morrendo na porta de casa diante da família e dos vizinhos. Com foto no jornal e tudo, Sheila foi obrigada a peregrinar de um lado para o outro, e até outra cidade, antes de conseguir enterrar o filho – quatro dias depois de ele ter sido atingido por uma bala perdida enquanto tomava uma água de coco na porta de casa.
"Aquele sangue era meu. Fiquei tão revoltada, que passei o sangue do meu filho no rosto. Ali, naquela hora, não tinha mais medo de nada, da polícia, da morte", contou mais tarde. Em meio a mais uma batalha perdida, Sheila usou o sangue do filho como pintura de guerra.