Quando Charles Miller voltou a Brasil, vindo de um período de estudos na Inglaterra, em 1894, com uma bola na bagagem, se deu início a uma paixão. O futebol no país virou uma febre. Por décadas e décadas, as crianças eram consumidas por bolas e goleiras.
O curioso é que tudo virava bola para a juventude no Brasil. Bola de couro, de meia, de papel. E todas as bolas tinham um objetivo: o gol. Não existe criança no país que não vencia uma goleira. Chinelos imaginando traves, pequenos gravetos improvisados viravam goleiras mágicas na cabeça de apaixonados pelo esporte. Não existia futebol sem bola, sem gol e sem goleira.
O Brasil, no entanto, aos poucos, foi se entregando ao "Complexo de Vira-Latas" preconizado pelo imortal Nelson Rodrigues. A necessidade de se buscar algo em outro lugar fez o Brasil esquecer a sua raiz mais vitoriosa. O futebol talvez tenha sido a única atividade competitiva, autoral, de completa supremacia brasileira.
Nelson Rodrigues previu o futuro em uma frase feita ainda na década de 1950: "O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima".
A máxima cai dolorosamente no estágio atual do futebol brasileiro. Perdemos a essência, o senso de virtude. A facilidade da comunicação nos fez correr atrás de soluções mecânicas e de uma literatura muito distante dos ensinamentos práticos do esporte, que estava no sangue do Brasil.
O extremo chegou, inclusive, à Seleção Brasileira. A valorização de profissionais como Fernando Diniz, que assumiu a camisa canarinho e teve autonomia para apresentar a sua forma de ver futebol, nos entregou a algo que não nasceu aqui. Uma forma não brasileira de jogar. Um futebol que não enxerga a goleira do adversário como principal objetivo.
O esporte que Diniz enxerga não se comunica com a nossa história. O atual time do Brasil não joga para vencer o goleiro adversário. Diniz se preocupa com a forma de sair jogando, com os números de posse de bola e de passes para o lado e leva uma legião de seguidores. O resultado final do jogo tem outros números além dos "antigos" gols, ensinados por Charles Miller lá no século retrasado.
O resultado desta conduta está em derrotas repetidas, em uma completa falta de identidade. O futebol brasileiro esqueceu do Brasil, da sua essência, das bolas improvisadas e das goleiras imaginárias.
O "Complexo de Vira-Latas" de Nelson Rodrigues finalmente venceu e os brasileiros viraram europeus e perderam exatamente como os europeus perdiam.