Em qualquer parte da nação, houve gritaria, houve explosão de fogos de artifício, houve urros de felicidade.
Assim como Guga fez com o tênis e Ayrton Senna fez com o automobilismo, Rebeca Andrade transformou a ginástica artística em esporte nacional. Todo brasileiro aprendeu as regras, entendeu como funciona a pontuação, para torcer melhor.
Se o collant da genial Simone Biles é bordado com cinco mil cristais Swarovski, o collant despojado e azul de Rebeca entrou no centro da nossa bandeira e atraiu estrelas.
Segundo Biles — lenda estadunidense com 11 medalhas olímpicas, sendo sete de ouro —, a atleta brasileira exigiu dela mais do que qualquer outra adversária ao longo de sua carreira. Chegou a brincar que ela estava dando cansaço. O duelo mexeu com os deuses gregos.
Agora o busto de Rebeca será eternizado em mármore na nossa história.
Jamais esqueceremos o seu olhar gráfico, delineado em dois tons: um dourado com glitter, aplicado no canto externo e acima da pálpebra móvel, e um preto no estilo “gatinho”, que segue para o canto interno.
Seus olhos são fulgores de concentração. Pedras eternas. As mais brilhantes. As mais carismáticas.
Ela conquistou o ouro na final do solo na manhã desta segunda-feira (5), na Bercy Arena, em Paris, e hoje é a nossa maior medalhista de todos os tempos, ultrapassando os cinco pódios dos velejadores Robert Scheidt e Torben Grael.
Foi a quarta medalha da ginasta nas Olimpíadas 2024 e a sexta em sua trajetória.
Só ela nos trouxe um ouro, duas pratas e um bronze na edição francesa dos Jogos, carregando o Brasil nas costas.
Caso Rebeca Andrade fosse um país, ela estaria na 27ª colocação no quadro geral de medalhas, ao lado da Geórgia, logo atrás da Espanha e na frente da Suíça e da África do Sul.
Nem o roubo que a tirou do pódio da trave de equilíbrio, deixando-a em quarto lugar após realizar uma série sem nenhum erro, ofuscou a sua jornada.
Na mesma manhã, deu o troco. Vingou-se com a perfeição.
A redenção veio com cravadas ao fim de cada acrobacia de uma apresentação graciosa e inventiva. Alcançou prodigiosos 14.166 pontos (precisou pôr os óculos para acompanhar a contagem) e talvez tenha que repensar o seu canto de cisne. Pois a ginasta confessou, nos últimos dias, que poderia abandonar o solo, alegando que cobra muito esforço de suas combalidas pernas.
Certamente não imaginava que se tornaria a nova campeã olímpica da modalidade, fundindo os nossos funks Movimento da Sanfoninha, de Anitta, e Baile de Favela, de MC João, com End of Time, de Beyoncé.
É a letra de Beyoncé que traduz o que estamos sentindo por ela: “I will love you so deeply” (eu te amarei tão profundamente).
Enquanto sua mãe dona Rosa, nas arquibancadas, migrava seu suor em lágrimas, reprisando os sacrifícios feitos na vida — como empregada doméstica em Guarulhos (SP), sustentou sozinha uma casa com oito crianças —, Rebeca convertia três cirurgias de ligamento no joelho em motivação e planava no ar.
Ninguém é capaz de supor, pelos seus voos e piruetas corajosos, o quanto sofreu para firmar os pés no chão novamente.
Rebeca não demonstra nervosismo, tensão, medo. É tão simpática, tão sorridente que nem parece que está competindo em alta performance. Parece que ela está dançando para o mundo.