Com 35 anos, jogador de futebol costuma estar aposentado. Já se desacelerou do ápice da forma física, já deixou para trás os grandes clubes da sua juventude.
Mas meu xará no Inter, Fabrício Barros Santana, natural de Paranavaí (PR), casado com Indianara desde os 19 anos, fez o caminho contrário.
Enquanto a maioria dá adeus, ele chega. Enquanto a maioria parte, ele começa.
É uma exceção gloriosa. Encontra-se longe de pendurar as chuteiras, e tem a sua primeira chance na elite aos 38 anos — o mais perto disso foi ter sido o terceiro goleiro do CSA em 2019, na Série A, porém ali não jogou por um minuto.
O acaso o trouxe para o Beira-Rio, e o talento o enraizou. Sua vinda supriu uma urgência, com a séria lesão do goleiro reserva Ivan no Gauchão, que rompeu o ligamento cruzado do joelho direito.
O arqueiro colorado desmonta qualquer padrão de carreira, desmancha o etarismo, mostra o quanto o esforço é a única sorte de quem vem da várzea. Seu maior título nacional até então foi o campeonato da Série C pelo Vila Nova. Circulou por 17 equipes de AL, CE, PR, MG, GO, SP e RJ, numa vida de caixeiro-viajante que iniciou aos 17 anos, quando se despediu da tutela dos pais.
Chamou atenção ao ser destaque do Nova Iguaçu, vice-campeão do Carioca. Sequer aqueceu o banco no Inter. Com a convocação do uruguaio Sergio Rochet para a Copa América, enfileira sua sexta partida consecutiva. Levou apenas dois gols. Fechou as traves em cinco rodadas. Já operou milagres na Sul-Americana e no Brasileirão. Três defesas difíceis seguraram o empate com o São Paulo.
O que o diferencia é que ele não é deslumbrado pela fama, pois a ostentação e as mordomias não o pegam mais.
— Sempre joguei em time pequeno, sempre tive um plano B. Hoje eu posso me dedicar integralmente para ser goleiro — afirma Fabrício.
Fabrício é gente como a gente. Não é uma coincidência que carregue nas costas o número doze, o número da torcida, o número do décimo segundo jogador em campo, que simboliza o apoio da arquibancada.
Driblou a fome, o atraso de salários, o transporte público cheio. Após as semifinais do Carioca, confrontos que eliminaram o Vasco da Gama, voltava de metrô com a família para casa.
Ele não sucumbe ao nervosismo, possui traquejo no toque de bola com a zaga e firmeza na saída pelo alto.
Ao mesmo tempo que é um veterano da sobrevivência — nem precisamos pedir garra que ele tem de sobra —, apresenta uma felicidade própria de jovem de categoria de base subindo entre os profissionais.
— Na verdade, não queria desistir, pois sabia que tinha qualidade. Eu lutava contra o relógio — lembra.
Um dia para ele é um ano. Uma partida para ele é final de campeonato.
— Jamais pensei que a torcida gritaria meu nome. Passa um filme na minha cabeça de tudo o que enfrentei de privações — celebra.
Não duvido que, pela sua simplicidade cativante, pela sua liderança coloquial, ultrapasse Fábio, 43 anos, goleiro do Fluminense, na longevidade.
Talvez tenha recebido o espírito e a bênção de Manga, o Homem-Borracha, que atuava de modo destemido, sempre sem luvas, e que se consagrou campeão brasileiro no clube gaúcho exatamente com a idade de Fabrício.
Ainda é cedo para dizer que ele se tornará ídolo, mas com certeza já é um exemplo de superação.