A morte atinge toda uma vida.
Se morre quem foi sua ex-esposa ou ex-marido, você será também viúvo ou viúva, mesmo que não estivessem juntos há muito tempo.
A nomenclatura tradicional é só chamar de viúvo ou viúva o atual parceiro no momento da partida, o que não é justo.
O fim abole o corpo da cronologia, resgata o espírito das lembranças.
A viuvez não é exclusiva ao estado civil de uma fase da existência, mas envolve as fases e idades pregressas.
Não morre unicamente a versão final da pessoa, acontece a despedida de suas diferentes versões, do passado por completo.
Se houve cinco casamentos, haverá cinco viúvos ou viúvas. E nenhum é mais ou menos legítimo do que o outro. Nenhum é mais ou menos valioso do que o outro. As lágrimas não têm hierarquia.
Não importam a separação, as brigas, as desavenças, o papel do divórcio diante do bem inviolável da cumplicidade.
É um choque receber a notícia de adeus de um antigo amor.
Você desmoronará em segundos. Arcará com uma tremedeira das mãos, um baque, um desconforto, um desespero, como se tivesse dormido ao lado daquela companhia no dia. Como se tivesse tomado o café da manhã com ela. Como se tivesse recém tocado em seu rosto ausente.
Perderá o ar, o chão, as palavras.
Maior do que a intimidade da paixão que já existiu na convivência é a intimidade da dor que agora bate a sua porta. Para a dor, não existe ontem.
Demorará para a notícia soar convincente. Você não achará possível, acreditará que é uma mentira.
Vai doer o futuro abreviado, o que o ente querido não teve chance de viver.
Este é o mais decisivo ponto de virada emocional: você deixa de ser egoísta, de pensar em si. Não é um arrependimento pelo término da relação, mas um pesar generoso pelo término de uma vida.
Não significa que continua amando o ex, que reprimiu o seu querer por longo período, significa que reconhece o quanto ele se mostrou decisivo em sua evolução.
O sofrimento do luto será igual dentro ou fora do casamento. As memórias mais remotas voltarão à tona: as gargalhadas, as canções, as viagens, as festas, a amizade.
Tudo o que foi ruim desaparecerá, restando apenas a gratidão. Sentirá uma estranha e extraordinária comoção pela história em comum.
Você se perceberá como uma peça de um desafiador puzzle. E qualquer peça é importante.
Até porque, na hora de montar o quebra-cabeça, aconselha-se começar pelas bordas.
Você é uma das pontas da imagem, fez parte de um sonho. Não se encontra no centro dos acontecimentos, na cabeceira do velório, segurando a alça do caixão, não se vê como protagonista da perda, mas está ali, presente no início difícil, nas primeiras descobertas da silhueta, na composição das cores e de padrões, possibilitando o encaixe do conjunto e a formação da saudade.