Reencontrei o inverno na primavera de Nova York. A temperatura beirava os cinco graus com ventos cortantes.
Como o frio aumenta o meu apetite e sinto a necessidade de aquecer a boca e o espírito, procurei conferir os mais famosos cookies da Big Apple, numa porta de garagem do Upper East Side. A lojinha Levain Bakery é conhecida pelos seus biscoitos de crosta seca e crocante, com o recheio surpreendentemente úmido de chocolate.
Pensei em engordar dois quilos por ali, já que ninguém notaria o sobrepeso pelo meu excesso de casacos.
Acompanhado da esposa e do filho, pedi de imediato seis cookies e três cafés. Os atendentes sorridentes providenciaram os pacotes prontamente. Acomodamo-nos nas banquetas do exíguo espaço para degustar as bolachas imensas, do tamanho de uma pizza média. Paramos em frente ao janelão, na altura dos pés dos pedestres, acompanhando o desfile dos mais variados e exóticos sapatos.
Na hora de pagar, qual foi a nossa surpresa de que não havia despesa nenhuma.
O sistema da loja não estava funcionando.
— É por nossa conta — disse o vendedor.
— Vocês não têm culpa, e vieram até aqui nos prestigiar — completou a colega.
Ficamos sem jeito, envergonhados pela generosa gratuidade. Tentamos oferecer gorjeta, igualmente recusada.
— Gorjeta é parte do pagamento total. Sem pagamento, não há gorjeta.
Pessoas continuavam entrando na loja e sendo carinhosamente acolhidas. Ninguém foi convidado a se retirar. Ninguém pagava nada. Mesmo com a ausência de rede, manteve-se o serviço. Existiam um horário e um expediente a se cumprir.
Fui comprar singelos cookies e recebi uma lição de lisura comercial.
Apesar do contentamento do doce, do açúcar no céu da boca, da euforia pela descarga de serotonina em meu corpo, bateu uma desilusão no fundo da minha identidade.
Jamais passaria por experiência semelhante em meu país. Se fosse no Brasil, em qualquer estabelecimento com o caixa fora do ar, não seríamos servidos. Seríamos dispensados no ato. A equipe fecharia a porta, ou colocaria uma tabuleta no balcão nos advertindo da suspensão das atividades. Falaria para voltarmos depois, indiferente ao trabalho e esforço de nosso deslocamento. O lucro iria prevalecer sobre o valor da convivência. A frustração criaria uma antipatia que nos inibiria de retornar.
A fidelização vem da confiança. Foi o que vivi naquele subterrâneo estadunidense:
— The most important thing is that you come back another day (O mais importante é que vocês voltem outro dia).
Nem sempre o cliente tem razão, mas ele sempre tem emoção.