Quem já me viu jogando futebol — sim, eu jogo bem, apesar da minha postura inofensiva e cômica de gafanhoto — sabe que evito cair. Não tombo com facilidade. Não rolo no chão. Posso levar peteleco no calcanhar, carrinho, trombada, voadora, e faço de tudo para me manter de pé. Cambaleio, porém jamais me entrego. Tento me segurar em corrimões imaginários ou nas costas dos meus adversários.
Eu mesmo me driblo, se for o caso. Prefiro seguir adiante a cavar uma falta ou um pênalti e parar o jogo.
Minha resiliência partiu de um trauma, que me condicionou a jamais beijar o gramado na boca.
A quadra da escola em que estudei no ensino fundamental — Escola Municipal Imperatriz Leopoldina, no bairro Petrópolis — era simplesmente de piche e brita.
Uma BR seria mais convidativa. Uma pista de aeroporto seria mais confortável.
As pedras saltavam do solo escuro, pequenas lâminas e facas refletindo o sol.
Cair ali somente em último caso. Não fingia, não me dava ao luxo de fazer cera.
Eu me desequilibrava, tonteava, e permanecia ereto, de queixo erguido, aos trancos e barrancos.
Tinha que sobreviver. Tinha noção do quanto custaria cada queda. Ficaria absolutamente esfolado, como presunto fatiado em guilhotina de açougue.
Você não se machucava, você se acidentava. Tão grave quanto cair de uma moto.
As feridas terminavam absolutamente infeccionadas com o betume.
Havia a necessidade de limpar a pele com água oxigenada — e como ardia — e depois pincelar camadas de mercúrio-cromo — e como ardia.
As sequelas continuavam doendo na hora de tomar o banho e de dormir.
Minha habilidade com a bola foi forjada a evitar aquela sensação da calça colando no corpo.
Nenhum band-aid era capaz de cobrir os ferimentos. Ao me machucar, sofria para colocar ou tirar a roupa.
Isso quando o abrigo não rasgava por inteiro e vinha o suplício. Pois meus irmãos e eu contávamos com um par de abrigos para o ano, e os pais não compravam outro.
Se estragávamos um deles em nossas peladas indevidas durante o recreio, a família mandava para a costureira com o propósito cafona de colocar remendo de couro.
Começava o bullying. Vivíamos vestidos para uma festa junina.
Lembro que uma vez rasguei os fundilhos da calça descendo um barranco e, para minha surpresa, recebi de volta a peça com um remendo de couro no traseiro.
Eu entrava na escola já com uma sela embutida em mim. Diante da piada pronta, precisava ser, pelo menos, rápido como um cavalo nas notas, e nunca lento como um burro.