Quando iniciamos uma reforma, não preservamos o que já temos, não valorizamos o que já existe, não destacamos o que é natural. O ímpeto é mudar tudo.
Há grandes chances de o complemento se mostrar postiço, negando as características do próprio patrimônio.
Não percebemos o luxo daquilo que é de graça: a mata, os pássaros, a luminosidade, a brisa.
Uma das fantasias ambiciosas de minha família era colocar lajes no pátio, deixar o quintal inteiro ladrilhado.
Nossos cachorros extraviariam eternamente seus ossos enterrados.
Imaginávamos um amplo espaço para mesas de pedra e cadeiras fixas, direcionadas para a chaminé da churrasqueira. Receberíamos amigos e parentes para festas de aniversário, não mais convivendo com a desagradável e intempestiva poeira debaixo dos chinelos.
Imaginávamos o fim do aguaceiro, dos insetos nas pernas, do areião. Entraríamos com os dois pés na civilização da pedra.
Tratava-se de uma evolução social, um upgrade de classe, uma emancipação econômica, como foi quando substituímos a casa de madeira por uma de alvenaria.
Diante dos vizinhos, só faltaria a consagração de uma piscina de fundo azulado.
A reforma gerou transtornos por seis meses, consumiu a poupança dos pais, provocou discussões intermináveis sobre rombos no orçamento, até que a paz voltou a reinar com o cimento seco, com o adeus dos pedreiros.
Assim que ficou pronto, descobrimos um efeito colateral. Ninguém havia olhado para cima, para as árvores. Ninguém havia perguntado para elas o que achavam do novo território gourmet.
Com cinco pés de jamelão na área externa, a beleza do piso não durou uma semana. Os galhos bem-dotados do verão despejavam toneladas de frutas a tingir as lajes, apagando os desenhos e curvas. Os móveis fixos acabavam inviáveis para a acomodação, pois os bagaços manchavam as roupas dos mais incautos.
Não tinha como limpar. Não tinha como varrer. Toda manhã, a mãe iniciava conosco uma cruzada com a mangueira, para derramar água sanitária pela sua extensão e tentar remover, armada de rodo e esfregão, as golfadas roxas de brilho intenso. Consumia galões de água sanitária diariamente. Ela já pagava uma segunda reforma em paralelo, apenas com produtos de limpeza.
De nada adiantava o esforço do mutirão, quarenta minutos depois o bosque repatriava o seu domínio de cor e fúria.
O pátio, antes tão frequentado com as cadeiras dobráveis de praia, repleto de interações alegres na roda do chimarrão, tornou-se um quadrado abandonado, nosso elefante lilás.
Mal acompanhávamos, antes da construção, o quanto o solo drenava as frutas descomplicadamente.
Perdemos a guerra para a natureza. De costas para ela, sempre perderemos.