A minha família sonhava em ter uma casa no litoral.
Porque éramos a família que vivia na casa dos outros, ou alugando, ou dependendo de favores dos parentes.
Nunca tínhamos a certeza de onde passaríamos o verão. Surgia uma oportunidade, um encaixe, um convite inesperado, e enchíamos o porta-malas do carro de repente. Em dois dias, vivíamos aquela confusão de descongelar a geladeira, fechar a residência e achar malas suficientes para comportar as tralhas e brinquedos dos quatro filhos.
Com as contas apertadas, podia não acontecer nenhum passeio, e atravessávamos os dias quentes de janeiro e fevereiro em Porto Alegre, até o início das aulas, nem um pouco bronzeados diante da turma ostensiva do veraneio fixo.
Eu fiquei pensando o motivo de nosso apego a esse sonho, que ainda é uma ambição de estabilidade e prosperidade de grande parte dos gaúchos.
Não se deve exclusivamente aos banhos oceânicos, aos acampamentos descontraídos debaixo do guarda-sol, ao conforto do barulho das ondas.
O litoral é um jeito de voltar a morar no interior.
Você retoma a rotina pacata e bucólica das nossas cidadezinhas de origem.
Experimenta um outro ritmo de vida, menos vertiginoso, mais calmo, com janelas e portas abertas.
Fica menos tenso com a paranoia, com as travas, com as fechaduras, com os alarmes.
Não que não aconteçam assaltos, mas prevalecem uma maior liberdade de ir e vir, uma maior disposição interior para ser feliz, uma maior espontaneidade.
Você mata a saudade do quintal, das roupas dormindo no calor da luz, da orquestra de cigarras e de sapos, do ventilador e dos pés descalços na grama e na areia.
Recupera o seu carisma, a coragem de se apresentar a estranhos, a facilidade de estabelecer amizades. Esbanja cumprimentos — sem conhecimento prévio, sem o receio do vácuo.
Para jogar futebol, o passaporte é se aproximar do alambrado e simplesmente pedir para entrar. A turma do campinho dirá para conseguir mais um jogador, e assim um irá para cada lado, como no vôlei.
Não deve sequer se arrumar para dar uma volta. Dentro do lar e fora, você se mantém parecido, com as mesmas roupas, à vontade.
Você separa o entardecer para tomar chimarrão na varanda e assistir à migração dos banhistas e surfistas.
Frequenta o comércio do bairro — o açougue, a padaria, o supermercado, a farmácia. Seu mundo gira em torno de alguns quarteirões. Tem o essencial ao seu redor.
As casas são localizadas pela descrição de cor, as ruas são encontradas pela proximidade do mar. Não há necessidade de nomes e de números.
Você restaura seu parentesco com o céu, prevendo tempestades ao longe pelo lilás do horizonte, ou tempo bom na manhã seguinte pelas nuvens avermelhadas ou noite estrelada.
Preocupa-se com o que já havia esquecido que existia: comprar veneno para formiga, repelente para mosquito, cortar grama, arrumar telhado, guardar colchões para visitas.
É como se resgatasse o controle da própria duração, priorizasse os ponteiros do relógio biológico.
A Estrada do Mar é o nosso túnel do tempo.
O fanatismo pelas praias é nossa chance de retornar às nossas raízes, a uma época em que as crianças saíam a andar de bicicleta e apenas reapareciam no jantar. E não havia o medo do pior, mas a confiança no melhor.