Não sei se você já teve a experiência de voltar à casa da sua infância.
É um impacto entre o olhar infantil e o adulto. Um susto diante da verdade.
Eu guardava a certeza de que morava num palacete, numa mansão, mas, ao retornar ao meu antigo endereço num tira-teima nostálgico, deparei-me com um espaço absolutamente modesto, exíguo. Não parecia a mesma residência, apesar de exibir o mesmo desenho geométrico e as mesmas linhas arquitetônicas.
Levei alguns minutos para efetuar a conversão. Meu quarto estava três vezes menor. A cozinha lembrava mais uma lavanderia. O aposento central comportava sofá e televisão, nada mais. Como eu me iludi tanto?
Aqueles 300 metros quadrados eram, na realidade, 100 metros quadrados.
É que eu enxergava o mundo de modo proporcional ao meu tamanho. Via um pátio no tapete, via uma praça no beliche, via um jardim na varanda. Crianças transformam frestas em janelas, portas em poternas. A profundidade é inventada pela necessidade.
Você testemunha idêntica e espantosa retração do cenário, encolhimento da estrutura, ao visitar sua escola de ensino fundamental. É um Gulliver voltando ao estado normal: a quadra de salão evoca joguinho com minitraves, o refeitório é da dimensão apertada de uma sala de aula, a sala de aula é um cubículo em que não entende como cabiam trinta cadeiras.
Lamento a minha normalidade inofensiva. Sacrifiquei esse poder mágico de transcender o que eu possuía, de ampliar onde eu morava, de destacar a simplicidade a ponto de fazê-la raridade.
Hoje reclamo muito mais da vida, dando valor ao que não tenho.
E pensar que, quando pequeno, eu odiava não poder me sentar com os adultos.
Havia uma mesa reservada para as crianças.
Tratava-se de um recurso em festas e almoços no fim de semana, para acomodar a todos os integrantes de nossa família, incluindo tios e primos.
Exclusivamente os maiores de idade desfrutavam do privilégio de ficar na tradicional távola redonda da sala de estar.
Os menores acabavam recrutados para as mesinhas de apoio, em dispensas automáticas do exército.
Eu me sentia deslocado, excluído. Minha sensação era que não apresentava autoridade, direito de opinião, oportunidade de me servir sozinho e determinar a porção do prato.
Vivia angustiado na dependência, jurando que perdia as risadas e os melhores assuntos, a picardia e ironia dos casais, tendo que juntar os cotovelos com os meus priminhos, desperdiçando a minha presença com brincadeiras da infância, ou cantorias de Os Jacarés de Estimação, dos disquinhos da Disney.
“Carinhosos como eles são, são monstrinhos de estimação.”
Eu apenas queria crescer o quanto antes, rapidamente, tapar os ouvidos, livrar-me da creche entre os parentes, receber a promoção do bigode, vencer a puberdade, largar os copinhos coloridos e os garfos de plástico.
Se eu pudesse me beliscar na época, diria:
— Te aquieta aí, guri! Aproveita, tudo vai diminuir com o tempo.