Merecia um prêmio de criatividade quem dá o nome às operações da Polícia Federal. Evidenciam o espírito da expedição, sintetizando exatamente o cerne da ilegalidade, a hipocrisia do contraventor.
Na última semana, foi notícia a diligência batizada de Operação Hipócrates, que se refere ao voto de honestidade e altruísmo tradicionalmente realizado na formatura de turmas de Medicina.
A PF se pôs a desmascarar nobres servidores de jalecos que andam contrariando o juramento. Investiga possíveis crimes de peculato, falsidade ideológica ou estelionato contra o Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), praticados por médicos concursados. Estão sendo executados onze mandados de busca e apreensão, envolvendo dez funcionários que, apesar de seus contracheques polpudos na faixa dos 30 mil, batiam o cartão e não se encontravam na instituição.
Há indícios de que esses médicos viviam de ilusionismo. Enganavam os controles de entrada e saída. Registravam o início da jornada e partiam para outras atividades, em clínicas particulares e diversos hospitais. Retornavam somente no fim do dia, para fingir o encerramento no serviço. Acumulavam salários sem trabalhar num dos locais.
São alguns médicos, não toda a categoria. E estes ainda estão sendo averiguados por suposta conduta imprópria, sem nada conclusivo a respeito deles.
Não é possível sentenciá-los antecipadamente, muito menos generalizar. Há tantos outros que viram madrugadas em plantões, que socorrem pontualmente, tendo que lidar com a falta de recursos, de estrutura e de equipamentos adequados.
Mas esse evento por si só — uma tragédia de desperdício de dinheiro público, já que os usuários do Sistema Único de Saúde são os mais prejudicados com a dificuldade de marcação de consultas e exames — apresenta um lado preventivo altamente positivo e necessário: acabou a mamata.
Testemunhamos uma advertência vistosa e grandiloquente no combate às exceções, no zelo pelo erário do estado e pelos nossos impostos.
Acabou a pouca vergonha, acabou a burocracia do abandono, acabaram as costas quentes, acabaram o pistolão e o compadrio, acabou a normalização da flexibilidade, acabou a consolidação abusada de tolerância, acabou a cena de colocar o casaco na cadeira e desaparecer para compromissos fora dali, acabou o jeitinho burlando as regras, acabou o emprego fantasma, acabou essa lengalenga de não cumprir rigorosamente a carga horária estabelecida nos contratos, acabou a história de pedir a um colega que finalize o expediente com o crachá emprestado, acabou o encobrimento das farsas.
Acabou a noção de que concurso é cargo para a vida inteira, de que você pode trabalhar pela metade e não tem como ser dispensado — somente será vitalício se o merecer.
Ninguém é Santo Antônio para dispor do poder da ubiquidade e estar em dois lugares ao mesmo tempo.
Acabou a impunidade pequena ou grande, acabaram as mentiras inofensivas ou gritantes nos serviços essenciais à população, seja nos hospitais, seja nos gabinetes políticos.
Tremei, malandros, que promoveis rachadinhas, que procrastinais, que vos aproveitais de uma fachada, que não honrais o vosso ofício e vossas atribuições, que acreditais que não sereis pegos, que pensais que não é tão grave assim, que confiais que não fostes vistos ou filmados, que alegais que todo mundo faz, que dizeis que sempre foi desse jeito.
A Polícia Federal pode bater em vossa porta. E não queirais perguntar o nome da operação. Nunca é elogioso.