Meu pai faz isso. Seu pai deve fazer igual.
É um código secreto, imperceptível.
Todo pai avançado em idade se despede assim, após a visita do filho adulto.
É a mesma saudação. É a mesma exclamação.
Talvez você não tenha reparado. Não é um cumprimento. Nunca será dito por educação, da boca para fora.
Como ele já repetiu a cena durante tanto tempo, você não presta atenção, não dá o devido valor. Acha até que é um enfeite da linguagem, uma mania, um costume superficial.
Recapitule comigo. Há algo de profundo no gesto. Há um afeto incurável no timbre sério e aveludado. Há uma solenidade rompendo a banalidade.
Porque ele nunca fala de qualquer jeito, apressado ou distraído, ocupado ou mexendo no celular. Ele para tudo, posta-se na sua frente, endireita as golas filiais e profere aquele comando olhando fundo nos seus olhos.
Pensando agora, em retrospectiva, é possível que você sinta um arrepio.
É um pedido de caso pensado, lapidado, consciente, feito ao pé de porta.
Não é um desinteressado “até logo” ou um ameno “tchau”.
Ele fala a mesmíssima coisa nos últimos abraços, nos desfechos das conversas, no fungar do cangote.
“Apareça!” é quando o pai abre a guarda, mostra a sua fragilidade, expõe o quanto sofre com a distância.
Não importa se os encontros são rápidos ou demorados. Acontece, vai acontecer, já aconteceu tantas vezes.
Você ainda não percebeu o alcance metafísico daquela palavra, o que há de emoção por trás daquela pequenina palavra.
O que o pai diz é:
— Apareça!
Solicita o seu retorno. Quer que você dê notícias. Quer que você volte correndo ou caminhando, mas volte. Que não suma. Que não o apague da memória e da rotina. Que não adie a família. Que priorize os momentos imperfeitos. Que se faça presente ainda que esteja preocupado, indeciso, pela metade. Que venha acompanhado de amores ou amigos. Que não arrume explicações bonitas para a ausência. Que a saudade não se acumule a ponto de doer. Que o sucesso não o mantenha longe, que o fracasso não o impeça de comunicar seus problemas. Que não viva tudo o que é importante e decisivo sem partilhar as novidades. O que ele mais gosta de saber é que você não se esqueceu do endereço, do porto de seus sonhos, da sua origem, do seu ponto de partida para ser alguém na vida.
“Apareça!” é quando o pai abre a guarda, mostra a sua fragilidade, expõe o quanto sofre com a distância. É um botão caindo de sua armadura. É uma lágrima rolando de sua saliva. É o “eu te amo” masculino. É o “eu te amo” paterno.
Trate de aparecer sempre que puder. Antes que o seu pai desapareça para sempre, pelo irreversível da condição humana, na eternidade do silêncio, no definitivo adeus.