Minha esposa mineira veio morar no Sul com medo do inverno, só que ela ficou mesmo com medo do verão.
Mostra-se totalmente pertinente chamar Porto Alegre de Forno Alegre. É um apelido carinhoso que aponta uma tendência irreversível. O calor aqui é de Dubai, de deserto, um dos mais intensos do Brasil.
Ao caminhar pelas ruas de fevereiro, você se sente um chorizo debaixo do carvão.
Fritar ovo no asfalto é pouco perto de nosso Saara urbano, já dá para espetar todas as carnes de uma só vez.
Não tem condições de raciocinar. É um sol barulhento, com britadeira, com máquina de cortar grama. A luz é sonora. Chia.
Não me recordo de ter sofrido com as mesmas temperaturas na minha infância. O desequilíbrio ecológico atingiu poderosamente a minha maturidade.
Temos que parar de nos comportar como se o calor escaldante representasse uma exceção: é regra anual. Dependemos da mudança do nosso vestuário no período, inspirando-nos no exemplo do Nordeste. Não dá mais para trabalhar de terno, ou jeans, ou roupa comprida. É desumano. As empresas e corporações devem se adaptar e permitir bermudas, sandálias, camisas curtas, folgadas. Não fingir mais que somos uma região do frio, pela nossa mentalidade turística. Somos apenas durante uma estação. As temperaturas tórridas são nosso costume de dezembro a março.
As universidades públicas já admitem que seus estudantes apareçam com vestes apropriadas ao clima. Agora falta que seus pais assumam a transformação do figurino no serviço.
Vejo que a maioria dos porto-alegrenses não aceita a realidade. Nega as certezas climáticas, fazem ouvidos moucos ao oráculo Cléo Kuhn.
A nossa resistência é tão grande à indumentária praiana na Capital que continuamos praticando o banho quente, como se fosse normal. Não é normal. É implicância cultural com os fatos, termômetros e racionamento. Você toma uma ducha simbólica, porque 10 minutos depois estará mais suado do que antes.
Os sinais são escandalosos em todo o Estado, Em 2022, tivemos a pior estiagem em 70 anos. Em 2023, a escassez hídrica volta a castigar lavouras e ameaça colheitas. Há 178 municípios em situação de emergência devido à seca.
No discurso de posse, o governador Eduardo Leite prometeu priorizar a educação no seu segundo mandato:
— Nós arrumamos as contas, estamos arrumando o governo e vamos arrumar as escolas — pontuou.
Afora a normalização do salário das merendeiras e o reajuste concedido à categoria do magistério (9,45%), é imperativa a regularização de aparelhos de refrigeração nas salas de aula e de bebedouros nos pátios.
Pode-se pensar que existem tantas deficiências nas estruturas físicas de nossa rede escolar, após a crise pandêmica, que o ar-condicionado soa como uma reivindicação frívola.
Não se trata, no entanto, de um luxo perante a rotina de 40ºC e do sol inclemente, mas de uma necessidade para a sobrevivência do nosso ensino. Ninguém conseguirá ficar atento à lousa — a sonolência irá sempre vencer.